Reforma Trabalhista: A Verdade por Trás dos Bastidores

Mercado de Trabalho

As novas regras do jogo, antes de tudo, carecem ser compreendidas e urgentemente questionadas, visto que as mesmas não apenas recaem sobre os 33 milhões de trabalhadores, mas também comprometem os princípios constitucionais de todo o país. A iniciativa para descortinarmos esta afronta do governo, atribui-se ao desejo de justiça que precisamos instigar, pelo próprio espírito democrático de propositura e ação, que devemos assumir.


O Direito do Trabalho se esforça para equilibrar a complexa desigualdade existente entre Capital e Trabalho, porém, não há como o mesmo proclamar igualdade, enquanto a dura realidade insiste em apresentar posições discrepantes na composição do trabalho. Sabemos que, enquanto no direito comum há uma incessante preocupação para garantir a igualdade jurídica, no Direito do Trabalho, a preocupação central dispõe de uma nova diretiva, que é a proteção de uma das partes, com o objetivo de alcançar-se uma igualdade considerável e autêntica entre ambas, levando-se em conta, a desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador, com uma proteção jurídica que lhe seja favorável. Entretanto, diante do advento da “fúnebre” Reforma Trabalhista, não poderíamos deixar de refletir sobre a célebre citação de Eugen Ehrlich, fundador da sociologia jurídica, que assevera:


“O centro da gravidade do desenvolvimento do direito não está nem na legislação, nem na ciência jurídica, nem na jurisprudência dos tribunais, mas na própria sociedade”.


Em um país onde a impunidade lidera, e o descumprimento da lei trabalhista, não possibilita a aplicação do Código Penal, que possui capítulo específico sobre os crimes contra a organização do trabalho, onerar o trabalhador não será capaz de reduzir a contenciosidade, e nem pacificar as relações sociais, pois não deslinda os conflitos, apenas os esconde impudicamente dos “olhos” da nação. Aplicar esta ridícula “Reforma” como sanção aos que buscam socorro na Justiça do Trabalho, com o propósito de minimizar o número de ações, como pretendem os legisladores, caracteriza desvio de finalidade, o que invalida a norma e só aumenta o desiquilíbrio existente entre empregado e empregador.


Outro ponto a se considerar, é que o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho, atrás apenas da China, Índia e Indonésia. De 2012 a 2018, foram gastos R$ 27,3 bilhões com essas ocorrências no país. Como consequência, neste período, os brasileiros perderam 318,4 mil dias de trabalho. Apenas no primeiro trimestre desse ano, as despesas estimadas com benefícios acidentários já ultrapassam R$ 1 bilhão, somados auxílios-doença, aposentadorias por invalidez, pensões por morte e auxílios-acidente. E a maior causa desses transtornos, é a falta de prevenção à saúde, de acordo com estudo do Ministério Público do Trabalho. A questão é que, este panorama, poderá ficar ainda pior com as novas normas impostas pela reforma trabalhista, em primeiro lugar, por conta da terceirização absoluta, pois é entre os terceirizados que acontece o maior número de tragédias, onde Já sabemos que 80% dos acidentes ocorridos no Brasil, são com profissionais de empresas terceirizadas, além de que, são previstas novas orientações para o trabalho insalubre, sem um devido aprofundamento do perigo. O custo acaba recaindo exclusivamente sobre a própria sociedade. É possível também, que muitas notificações de acidentes e mortes possam estar subavaliados, até mesmo por que, muitas doenças e óbitos, não são interpretados como decorrentes do estresse ou da atuação no ambiente laborativo. Ainda nesse contexto, será que ocorrerá uma migração de empregos das empresas com atividade fim para serviços terceirizados com o apoio da reforma trabalhista? Se isso acontecer, teremos uma redução do número de empregados para abaixo do limite no cálculo para constituição das CIPA’s.


E a flexibilização da jornada, a quem na verdade interessa? O regime de acumulação flexível, particular do capitalismo moderno, passou a explorar todas as formas possíveis de flexibilização da produção, seja em termos financeiros, territoriais ou do trabalho, sendo assim, a jornada de trabalho é uma das variáveis de ajuste mais importantes da produção de bens e serviços, para que os empregadores possam se adequar às oscilações da demanda, repassando fracionadamente as inquietações e os riscos do empreendimento para o trabalhador. Na realidade, isso vai em total desencontro, conforme a teoria econômica convencional, com o “ser empreendedor” e o “ser contratado”, quanto à aversão ao risco. Mas o que nos interessa é, que esta flexibilização, implica no trabalhador se manter sobejamente disponível para o empregador. Acompanhando as oscilações da necessidade de produção, o trabalhador encontra sua jornada sendo reduzida ou estendida, sem ter controle do seu tempo de trabalho. Portanto, para o trabalhador as consequências são significativas: desorganização da vida social e familiar, perda de perspectiva de crescimento profissional, aumento do número de acidentes e fadiga acentuada. Em suma, consequências irrefutáveis de ordem social, psicológica e da saúde.


A modalidade home office é um dos pontos que tem gerado mais dúvidas desde que a reforma trabalhista entrou em vigor. Antes utilizado de maneira facultativa pelas empresas, o trabalho a distância passou a ter parâmetros mais transparentes, prometendo facilitar a vida de empregadores e funcionários. Em suma, teremos a mudança no controle das atividades, que serão controladas não mais pela quantidade de horas trabalhadas, mas sim, pela quantidade de tarefas executadas. A grande preocupação desta nova regra, é a falta de controle da quantidade de horas exercidas (banco de horas), o que pode prejudicar na qualidade de vida do trabalhador, elevando a probabilidade de exposição às doenças ocupacionais.


Outra situação absurdamente relevante, é que a nova regra permite que grávidas e lactantes trabalhem em condições insalubres, independente do grau à que estejam expostos, desde que a empresa apresente um atestado médico que garanta que não haverá risco para mãe, nem para o bebê. Entretanto, na prática, todos sabemos que será improvável que um médico se predisponha a aprovar mães e lactantes em ambientes insalubres, já que o mesmo, conforme este protocolo, será o único responsabilizado, caso ocorra riscos à elas ou ao seus bebês.


 


A Reforma Trabalhista vem trazer um conjunto de mudanças “desagregadoras” na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como na segurança e saúde do trabalhador, que carece ser preservada à todo o custo. Não existe clareza em muitos dos pontos assinalados neste projeto, principalmente, no que cabe aos limites de horas extras, e intervalos a serem permitidos aos trabalhadores. Isso nos leva a crer que, intencionalmente, e de forma arbitrária, esta reforma vem castrar, absolutamente, direitos e condições assertivas de trabalho, que deveriam garantir um mínimo de dignidade e bem-estar ao trabalhador brasileiro. Infelizmente, grande parte dos trabalhadores ainda não se deu conta da gravidade desta reforma.


Pela reforma de Temer e de Rogério Marinho, a vida de um engenheiro vale muito mais que aquela de um ajudante de pedreiro, e a dignidade de uma auxiliar de serviços gerais, vale muito menos que a de um executivo consagrado na bolsa de valores. Rotulam a vida de acordo com a posição social que você ocupa. Estamos presenciando um verdadeiro escárnio à céu aberto, onde os “escravos” ainda tentam resistir à cruel “abolição” coronelista.


 


Sandro de Menezes Azevedo


Técnico em Segurança do trabalho


Consultor Técnico em Gestão de Riscos em Ambientes Hospitalares


Presidente/ASPROTEST


Presidente/ABRATEST-SE


Diretor de Assuntos Jurídicos e de Eventos - SINTEST/SE


Diretor de Comunicação Integrada/ABRATEST


2º Secretário Geral FENATEST

31/03/2019 22:03:50