Toxicologia dos Gases Irritantes
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2021-03-27T08:21:33-03:00
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Amplamente empregados na indústria, a maioria dos gases apresenta elevado nível de toxicidade. Para entendermos melhor esses compostos, vamos falar sobre a toxicologia dos gases irritantes e como proteger os funcionários da sua empresa.

Para começar, é importante conhecer a classificação destas substâncias. Os gases irritantes são divididos de acordo com sua solubilidade em água, como:

- Gases altamente solúveis [Amônia (NH3), Formaldeído (CH2O), Cloreto de hidrogênio (HCl) e Dióxido de enxofre (SO2)];

- Moderadamente solúveis [Cloro (Cl2)];

- Pouco solúveis em água [Dióxido de nitrogênio (NO2) e Fosgênio (COCl2)].

A solubilidade em água é a capacidade que o composto tem de se dissolver em água. Tal parâmetro é o elemento determinante dos efeitos tóxicos e clínicos após exposição aos gases irritantes.

Vale lembrar que as vias de exposição aos gases são inalatórias, pele e membranas mucosas. Ou seja, são por esses meios que a toxicologia dos gases irritantes pode afetar a saúde dos trabalhadores da indústria e outros que forem expostos aos compostos.

Efeitos da toxicidade dos gases irritantes

Todos os gases irritantes apresentam capacidade de corrosão, produzindo efeitos locais e injúria à pele e aos olhos. Normalmente, os danos provocados atingem superfícies úmidas que entraram em contato com o gás irritante, incluindo:

- Mucosas conjuntivas (olho) e córnea (olho);

- Nasofaríngea (nariz);

- Orofaríngea (boca e garganta);

- Mucosas epiglóticas, laríngeas e traqueobrônquicas;

- Membranas alveolares pulmonares.

Já a toxicologia dos gases irritantes, dependendo da solubilidade em água, contém efeitos específicos.

Altamente solúveis

Inicialmente, afetam as membranas mucosas dos olhos e o trato respiratório superior (narinas e cordas vocais), dissolvendo-se na água e nestas superfícies úmidas.

Pouco solúveis

São menos irritantes para as vias aéreas superiores devido à sua menor solubilidade em água. Entretanto, as vítimas podem não reconhecer que estão expostas a concentrações perigosas desses gases. O que resulta em exposições mais prolongadas.

Esses gases atuam primeiramente provocando danos às membranas alveolares. Os sinais clínicos são dispneia, estalidos durante a auscultação pulmonar e hipoxemia.

Além disso, costumam ter um início tardio, com ausência de manifestações clínicas evidentes por até 24 horas após a exposição. O início dos sintomas, inclusive, depende da concentração de gás e da duração da exposição.

Moderadamente solúveis

Podem causar danos às vias aéreas superiores. Mas, geralmente, em menor grau que os altamentes solúveis em água. Esses gases também podem danificar as vias aéreas inferiores, incluindo a árvore traqueobrônquica e a membrana alveolar-capilar, semelhantes aos levemente solúveis.

Também foram relatados pneumomediastino e danos à vasculatura extrapulmonar, em casos de vítimas expostas ao cloro.

Os  gases irritantes são geralmente pouco absorvidos sistemicamente e geralmente não causam toxicidade sistêmica. Embora, não sejam absorvidos sistemicamente, eles podem diminuir o fornecimento de oxigênio em todo o corpo.

Tal fato se deve ao comprometimento das vias aéreas por causa de diversos fatores diferentes. Por exemplo: edema da mucosa, broncoespasmo ou troca gasosa alvéolo-capilar prejudicada devido à pneumonite química ou à Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA).

Portanto, a toxicologia dos gases irritantes pode causar consequências sérias ou até fatais. O que ocorre, principalmente, como resultado da diminuição do transporte de oxigênio ao coração e/ou cérebro.

Quais as características dos gases irritantes?

Como mencionado, muitas pessoas e mesmo os trabalhadores de indústria, por vezes, não percebem a exposição aos gases irritantes. Por isso, vamos apresentar as principais características dos compostos para facilitar a identificação e evitar riscos à saúde. Confira!

Leitura recomendada: Armazenamento de produtos químicos: como funciona a matriz de incompatibilidade

Cloro

Gás amarelo esverdeado

Principais usos: manufatura de plásticos e borrachas, fábricas de papel (branqueamento), indústria têxtil (descorante), lavanderia, desinfetante, produção de ácido hidroclórico, outros.

Principais efeitos da exposição:

- Irritação dos olhos e garganta

- Tosse, sufocação, ardor

- Pneumonite

- Dor no peito e dispneia

- Dificuldade para respirar

- Bronquioespasmo, edema pulmonar

Pode ocorrer a morte após 30 minutos de exposição a 430 ppm.

Tratamento:

Em caso de broncoespasmos: administra-se broncodilatadores, (ex.: salbutamol) via oral ou inalatória.

Em caso de edema pulmonar: realizar pressão expiratória positiva final ou pressão constante.

Administração de corticoides é requerido em casos de edema para inibir a resposta inflamatória.

Deve-se realizar a gasometria arterial e verificar a acidose hiperclorêmica e deverá ser tratada.

Fosgênio

Gás incolor

Principais usos: produção de plásticos, praguicidas, corantes, indústria química (isocianatos), outras.

Sinais e sintomas da exposição ao fosgênio:

- Provoca tosse;

- Sensação de ardor na garganta e olhos;

- Provoca falta de ar e sensação de sufocamento;

- Provoca lesão pulmonar;

Tratamento:

Para a prevenção de edema pulmonar em pessoas assintomáticas: administração de esteroides, ibuprofeno, n-acetilcisteína, e ventilação por pressão positiva nas vias aéreas.

Em pacientes com edema pulmonar: recomenda-se o monitoramento da pressão positiva das vias aéreas (intubação endotraqueal e ventilação mecânica com altas concentrações de oxigênio). Além disso, é indicado a administração de esteroides, teofilina, diuréticos e antibióticos para os pacientes que venham a desenvolver infecções bacterianas pulmonares.

Dióxido de enxofre (SO2)

Gás incolor com odor sufocante

Principais usos: refinarias de petróleo, fábricas de ácido sulfúrico, fundições fábricas de inseticidas, outros.

Sinais e sintomas da exposição ao dióxido de enxofre:

- Irritação da garganta

- Tosse

- Dificuldades respiratórias

- Constrição da caixa torácica

- Inflamação aguda do sistema respiratório e edema pulmonar.

- Irritação nos olhos imediatamente.

A exposição a elevadas concentrações ao SO2 causa queimaduras nos olhos. O contato direto com os olhos pode provocar queimaduras graves e a pele também pode sofrer irritação ou até corrosão com queimaduras.

Amônia (NH3)

Gás incolor

Principais usos: fabricação de ácido nítrico, fibras sintéticas, fertilizantes, explosivos, seda artificial, espelho, plásticos, refinamento de óleo, indústria de refrigeração, indústria de tinta e outros.

Efeitos da exposição:

- Dor intensa nos olhos, boca e garganta

- Perda da voz

- Ulceração da boca e nariz

- Cianose

- Edema pulmonar

Dióxido de nitrogênio (NO2)

Gás marrom

Principais usos: indústria química (reações envolvendo ácido nítrico ou nitratos), manufatura de explosivos, operações de solda elétrica, produção de nitrocelulose, máquinas movidas a diesel em locais confinados, matéria orgânica em decomposição.

Efeitos da exposição ao dióxido de nitrogênio:

- Irritação leve do trato respiratório superior a baixas concentrações, progredindo para tosse intensa e sufocação a concentrações moderadas

- Respiração irregular

- Redução da função pulmonar

- Chiado ao respirar

- Edema pulmonar

- Danos às células mucosas, inflamação, dilatação dos capilares alveolares, alvéolos cheios de fluido e células sanguíneas, enfisema.

Formaldeído

Gás incolor

Principais usos: produção de resinas ureia-formol, fenol-formol e melamínica, indústria química, preservante de produtos cosméticos e de limpeza, embalsamação de peças anatômicas.

Efeitos da exposição ao formaldeído:

- Efeito irritante e de sensibilização

- Câncer nasofaríngeo

- Asma, dermatite.

Efeitos agudos: produção de lágrimas, irritação nasal, espirros, inflamação da garganta, aperto no peito, dor de cabeça.

Modo de ação desses agentes: dano oxidativo direto e/ou mediado por reação inflamatória que resulta em:

- Bronquite;

- Enfisema;

- Bronquiolite;

- Pneumonite;

Edema pulmonar.

Como age a toxicologia dos gases irritantes no corpo humano?

Após entender os riscos e os efeitos da toxicologia dos gases irritantes, vamos explicar também o seu funcionamento no corpo humano.

Os gases irritantes, como SO2 e NO2, provocam uma série de processos:

- Induzem hipersecreção das glândulas mucosas bronquiais;

- Causam hipertrofia das glândulas mucosas;

- Levam ao aumento do número de células cálice secretoras de mucina na superfície epitelial dos brônquios.

Além disso, causam inflamação com infiltração de células T CD8+, macrófagos e neutrófilos. O que acarreta em:

- Bronquiconstrição reflexa (exemplo: formaldeído);

- Resposta alérgica;

- Supressão ou aumento da resposta imune a outros materiais (SO2, O3, NO2 provocam aumento da resposta imune a material estranho inalado).

Medidas para evitar os riscos dos gases irritantes

Diante dos riscos de exposição dos trabalhadores, torna-se necessária a utilização de medidas adequadas para a minimização do perigo.

Normalmente, a principal ação de controle e proteção é a adoção de detectores de gases ou vapores fixos. Eles são instalados em pontos estratégicos e previamente mapeados nos ambientes de trabalho. Ao identificar qualquer tipo de ameaça ou vazamento, o dispositivo pode soar um alarme e enviar notificações para informar sobre o risco.

Além disso, o local de trabalho também precisa contar com a sinalização de produtos químicos (inflamáveis, tóxicos, corrosivos, oxidantes, nocivos, irritantes e explosivos). E os equipamentos, tubulações ou saídas de emergência devem permanecer desobstruídos constantemente.

Como garantir a segurança dos trabalhadores frente à toxicologia dos gases irritantes?

O uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) e coletiva é outra medida essencial. Assim, é possível escapar da toxicologia dos gases irritantes e reduzir o contato com substâncias perigosas em ambientes de trabalho. Os principais EPIs são:

a) Ventilação mecânica fixa e portátil: serve para diluir a quantidade de gases presente ou manter a sua concentração ambiental no nível mais baixo possível.

b) Respiradores faciais ou semifaciais e respectivo filtro: pode ser fundamental para evitar a exposição pelas vias aéreas, a depender do gás tóxico no ambiente e tipo de proteção desejada.

c) Detectores fixos: identificam a presença de gases tóxicos. Também existem aparelhos portáteis, desenvolvidos para manter o trabalhador seguro e permitir a realização de testes móveis. Os dispositivos podem ser anexados ao uniforme e são essenciais para monitorar a exposição do trabalhador de forma contínua. Esteja ele parado em algum local ou transitando entre diferentes setores industriais.

d) Uniformes especiais feitos em PVC/poliuretano ou outros materiais isolantes, em conjunto com óculos, capacete, luvas e botas: evitam irritações e queimaduras provocadas por gases ou vapores perigosos.

Esses itens garantem a ausência de contato entre o trabalhador e os agentes químicos presentes no ar, protegendo a sua integridade física. Importante lembrar que todos os EPIs devem, por lei, ser disponibilizados em boas condições de uso aos trabalhadores expostos a agentes químicos.

Todos os equipamentos também devem contar Certificados de Aprovação (CAs), emitidos oficialmente pelo Ministério da Economia.

Sem contar que é fundamental a promoção de treinamentos e palestras conscientizando os trabalhadores. Assim, é possível alertar sobre os riscos dos agentes químicos a que estão expostos e as formas de prevenção existentes. Além disso, os colaboradores podem aprender sobre a utilização, guarda e conservação dos EPIs.

Como uma consultoria em segurança química pode ajudar?

Quer saber como garantir a segurança química no ambiente de trabalho e realizar o gerenciamento de produtos químicos?

A Chemical Risk possui todo o conhecimento necessário para verificar a toxicologia dos gases irritantes presentes na sua operação e fazer uma avaliação do risco químico.

Com profissionais especializados em segurança química e saúde ocupacional, contamos com uma série de serviços nestas áreas.

Assim, garantimos que a sua empresa cumpra com os requisitos para manter os funcionários seguros. Dessa forma, evita-se a exposição excessiva e também firma-se protocolos de segurança.

Por: Camilla Colasso

Farmacêutica e bioquímica, formada pela Universidade Paulista, mestre em Toxicologia pela Universidade de São Paulo (USP/FCF). Especialista em Gerenciamento de Risco Químico e Toxicológico e em Armas Químicas de Guerra.