Não muito raro, ouvimos dizer que o Brasil possui um dos melhores conjuntos de regulamentações em Saúde e Segurança do Trabalho do mundo, que são as normas regulamentadoras. Se formos mais a fundo, fomos o primeiro país a instituir a especialização formal, com currículo preestabelecido em Engenharia de Segurança do Trabalho e a especialização para Médico do Trabalho, Técnicos de Segurança e Enfermeiros Especializados, mas até que ponto de fato, o Brasil está garantindo a segurança dos seus trabalhadores?
Segundo os últimos dados estatísticos obtidos em 2019, ficamos imersos em uma marca de aproximadamente 582.507 acidentes de trabalho ao ano, com um aumento acentuado de 2,44% no número de mortes, o que representou para o Brasil, no mesmo período, a perda de 2.184 trabalhadores. É importante salientar que neste cálculo, agora precisamos acrescentar os números geométricos associados à pandemia da COVID-19, onde dados da Anistia Internacional mostram que 17 mil profissionais morreram em 2020 no mundo por causa da pandemia, entretanto, a instituição deixou de comparar dados dos países, individualmente, porque cada um, segundo ela, usa uma metodologia diferente. No Brasil, a instituição utiliza a base de dados do Cofen e do CFM.
O interessante e não menos que questionável, é que no mesmo levantamento da Anistia Internacional, publicado em setembro de 2020, quando o mundo havia registrado a morte de pelo menos 7.000 profissionais de saúde, mostrava o Brasil com 634 óbitos, a Índia com 537 mortes; África do Sul, 240; Estados Unidos, 1.077 e México, 1.320. Podemos considerar esses números como perdas significativas? Até onde podemos considerar o limite entre os resultados inevitáveis de uma calamidade pública e a deficiência de um sistema regulador?
Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, diz que a morte de profissionais de saúde tem relação com a política adotada pelo poder público, na qual falta coordenação.
“A falta de enfrentamento unificado da pandemia, a má aplicação do orçamento da saúde destinado ao combate da Covid-19 e a falta de exemplo de autoridades brasileiras diante de inúmeras recomendações de segurança e proteção, foram fatores determinantes para as mortes dos profissionais de saúde e demais pessoas vítimas da doença”, diz. Todos concordam com isso? Então agora talvez já possamos avaliar melhor o nível de “prevenção” supostamente adotada pelo estado brasileiro neste quesito, e como profissionais da prevenção que somos, nos questionarmos sobre o que fizemos ou deixamos de fazer para evitarmos essas mortes.
O Brasil enfrenta o seu pior momento desde o início da epidemia de Covid-19, com hospitais públicos e privados por todo o país registrando altas taxas de ocupação de UTIs, e com recordes sucessivos de mortes pela doença registradas em 24 horas.
Agora vamos lá, se em seu conceito legal, acidente de trabalho é todo aquele que ocorre enquanto o empregado atua a serviço da empresa, excepcionadas as situações em que há culpa exclusiva da vítima, assim mesmo podemos entender que, se o trabalhador morre por causa de uma doença contraída no exercício de suas funções profissionais, a morte pode ser tranquilamente considerada acidente de trabalho. Por que será que no Brasil esse entendimento já não se encontra uniforme? A contaminação por agentes nocivos à saúde do trabalhador no exercício das suas atividades, não seria também uma questão acidentária? Os nossos trabalhadores estão sendo devidamente assistidos? E nos quesitos de segurança adotados, podemos dizer que os trabalhadores brasileiros estão operando com segurança?
Será que o cumprimento da lei neste país, está tão somente na indenização dos familiares de um trabalhador ceifado em razão de mais um acidente de trabalho, ou será que o descaso iminente para a garantia das condições mínimas de trabalho oferecidas no Brasil, não está sendo realmente considerado?
Acontece, que ainda guardamos covardemente um ranço vergonhoso do tempo em que, ao invés de se fazer prevenção e segurança, simplesmente se investe um certo montante em dinheiro para se justificar uma preocupação que na realidade não é, e talvez nunca seja prioridade neste país. Na realidade, vivemos hoje uma verdadeira mercantilização da saúde e da segurança.
Por: Sandro de Menezes Azevedo
Técnico em Segurança do Trabalho
Consultor Técnico em Gestão de Riscos
Diretor de Assuntos Jurídicos e de Eventos/SINTEST-SE
Segundo Secretário Geral/FENATEST
Presidente/ASPROTEST