Radiações e Saúde Ocupacional
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2019-01-05T12:43:28-03:00
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O radão é um gás inerte, incolor e sem sabor, existente nas rochas, solos e águas, que facilmente se concentra no interior dos edifícios (quer domiciliares, quer laborais), onde a generalidade dos trabalhadores passa muitas horas. À radiação por ele emitida estão associadas algumas patologias que a equipa de Saúde Ocupacional deve conhecer, de forma a executar melhor o seu trabalho.

A noção que as radiações ionizantes têm efeitos nefastos para a nossa saúde está razoavelmente difundida; contudo, algumas especificidades sobre tal processo e quais as profissões em maior risco, não estão explícitas para a generalidade dos trabalhadores e entidades empregadoras. Estas radiações têm a capacidade de induzir alterações celulares/ mutações através de danos no DNA, o que modifica as caraterísticas cromossómicas e aumenta o risco de surgirem neoplasias. Outros autores também não descartam que mesmo as radiações não-ionizantes possam ter alguns malefícios.

Sabe-se que as radiações ionizantes aumentam o risco de surgirem neoplasias. O efeito na célula depende da fase do ciclo em que a exposição à radiação surge, ou seja, se a célula estiver em divisão pode não sobreviver. O dano global dependerá da proporção de células em divisão que existam, no momento, no tecido atingido e da capacidade e velocidade de regeneração do órgão em questão. Independentemente da fase celular, se a radiação for breve e de baixa intensidade, as células sobreviventes podem proliferar com normalidade.

Tipos de radiações

Numa extremidade do espetro das radiações temos as de baixa frequência, pouca energia e mais abundantes (provenientes de aparelhos rádio, televisão, microondas, ultravioletas, infravermelhos, laser e telemóveis), não têm capacidade de danificar o material genético e por isso designadas de não ionizantes; as radiações com mais energia são capazes de ionizar (ou seja, remover parte do átomo), como é o caso dos Rxs e os raios gama, por exemplo. Aliás, a radioterapia é um exemplo de radiação ionizante com a qual se tenta destruir células malignas (apesar de também se destruir parte das normais).

Tipos de estudos sobre radiações

Muitos dos artigos consultados mencionam estudos efetuados nos sobreviventes das bombas atómicas, tentando extrapolar as conclusões para exposições a radiações de menor intensidade, mas de forma mais contínua. Também existem estudos sobre os trabalhadores de centrais nucleares, expostos ou não a acidentes. Por vezes, também se tenta extrapolar as conclusões obtidas em estudos com animais ou quimioterápicos mas, na realidade, sabe-se muito pouco sobre as consequências da radiação menos intensa e prolongada no tempo, como é o caso dos profissionais de saúde ou da aviação.

Centrais nucleares

No caso de estudos sobre acidentes nucleares graves verificou-se que a incidência de cancro fica aumentada em toda a população exposta, mas com um decréscimo de intensidade à medida que nos afastamos do epicentro da explosão. Alguns trabalhos, dentro da patologia oncológica, destacam as leucemias, sendo o risco superior quando a exposição ocorre em idades mais precoces. Algumas destas investigações também salientaram um risco acrescido de patologia cardiovascular, nomeadamente aterosclerose e enfarte agudo do miocárdio. Alguns autores destacam também o eventual risco de cataratas, malformações fetais e atraso no desenvolvimento intelectual.

Mesmo sem ocorrerem acidentes, verificou-se também que alguns dos funcionários das centrais nucleares apresentam prevalências superiores de neoplasias (tiróide, próstata e estômago), entre outras alterações a nível dos sistemas nervoso central, digestivo, respiratório, cardiovascular e imunológico, de forma estatisticamente significativa. A destacar que o solo e a água circundantes ficam contaminados, bem como os alimentos deles obtidos.

Radão

O radão abarca, segundo alguns estudos, cerca de 50% da radiação ionizante que os humanos recebem. Existem vários isótopos, com estabilidades e semi-vidas diferentes, libertando radiações alfa e beta. Trata-se de um componente natural da rocha e solo. Por vezes, essas mesmas rochas são usadas como material de construção de edifícios, pelo que no seu interior existirão concentrações superiores de radão, independentemente da localização geográfica. A acumulação é mais intensa nas caves/ andares inferiores; contudo, as concentrações domiciliares são francamente inferiores às encontradas, por exemplo, em minas, sobretudo de urânio. A deposição no interior dos edifícios varia também com a estação (é três vezes mais intensa no inverno que no verão) e ventilação/ isolamento do exterior (hoje em dia existem técnicas de construção que permitem um melhor isolamento do solo).

O radão tem propriedades cancerígenas, sobretudo com concentrações mais elevadas. A Agência Internacional de Pesquisa para o Cancro considera que esta substância é carcinogénica para a espécie humana: 10 a 15% do cancro de pulmão é atribuído ao radão; apenas em segundo plano em relação ao tabaco.

Existem vários trabalhos com mineiros, nos quais se verificou efetivamente um aumento do risco de cancro do pulmão e de outras doenças respiratórias, desde há muito séculos. A inalação do radão expõe os tecidos brônquicos a um nível elevado de radiação alfa, que poderá lesionar o DNA. Nos mineiros também se encontram maiores prevalências de leucemia, neoplasias ósseas e do fígado; de forma menos consensual é também referido maior incidência do cancro gástrico. As conclusões obtidas em estudos em mineiros não podem ser extrapoladas diretamente à população global (porque estes trabalhadores são todos do sexo masculino e adultos; além de que nesse ambiente laboral também se encontram outras substâncias nocivas, sendo o espaço e a ventilação geralmente precários). Além disso, a coexistência radão- tabaco é considerado sinérgica.

A própria água pode conter radão mas considera-se que a concentração deste e, consequentemente, as sequelas para a saúde daí resultantes, são pouco significativas.

Radiação não-ionizantes

O outro tipo de radiação designa-se por não ionizante e, no caso da eletromagnética, esta é emitida sobretudo pelas linhas de tensão, electrodomésticos/ ecrãs de computador e telemóveis. Os primeiros estudos sobre o efeito desta radiação na saúde surgiram na década de 50; dentro dos efeitos agudos destacam-se as alterações de memória e na aprendizagem, segundo alguns autores; no contexto dos efeitos crónicos podem surgir leucemia ou outros cancros, alteração da fertilidade e do normal desenvolvimento da gravidez, bem como distúrbios imunológicos, neurológicos e/ ou cardíacos. Mesmo realizando a pesquisa em bases de dados conceituadas, encontram-se artigos com conclusões totalmente díspares, ou seja, existem autores que defendem a inexistência de qualquer risco comprovado; enquanto que outros acreditam no oposto e, por fim, existem também investigações que alertam justamente para tal situação, ou seja, existência de resultados contraditórios, pelo que não se pode afirmar nada em concreto, com evidência científica clara e irrefutável.

Uma parte considerável dos estudos é realizada com base em experiências em animais, pelo que extrapolar as conclusões para os humanos poderá não ser fácil ou linear. Ainda assim, a IARC (International Agency for Research on Cancer) classifica as radiações eletromagnéticas como “possivelmente carcinogénicas para os humanos”. Contudo, considera-se que, dentro da população global, existirão indivíduos com suscetibilidades diferentes para a radiação.

Por sua vez, no caso específico do telemóvel, existem estudos in vitro, nos quais a radiação implicou dano de DNA e consequente alteração no gene e produção proteica; contudo, também aqui não existem consensos. Ainda assim considera-se que a exposição varia inversamente com a distância à antena do telemóvel. Para além disso, torna-se complicado desenhar estudos corretos epidemiologicamente, uma vez que não existem populações com uso crónico e intenso de longa data (sendo os países nórdicos o local onde este aparelho mais cedo começou a ser usado pela população, em massa). As antenas dos telemóveis ficam muito próximas do cérebro, pelo que algumas investigações estudam a eventual associação com as cefaleias ou até cancro cerebral.

Na proximidade das linhas de alta tensão, por exemplo, a radiação eletromagnética facilmente ultrapassa o Valor Limite de Exposição da generalidade dos países que têm legislação sobre o assunto; mas também aqui não existem consensos entre os autores sobre os riscos médicos concretos.

Alguns exames médicos baseados na ecografia fornecem também radiação não- ionizante. Esta gera energia térmica, pelo que alguns trabalhos defendem que não é totalmente isenta de riscos (sobretudo obstétrica, no 1º trimestre); argumentando até que essa caraterística poderá ser mutagénica/ carcinogénica- controverso entre investigadores.

As guidelines para as radiações eletromagnéticas são criadas/ adotadas a nível nacional, mas geralmente baseiam-se na International Commision on Non-ionizing Radiation Protection (instituição não governamental e reconhecida pela Organização Mundial de Saúde); esta entidade recomenda que o nível de radiação seja, obviamente, o menor possível. O nível aceite para a população global é cerca de cinco vezes inferior ao aceite a nível laboral, uma vez que os trabalhadores tiveram/ têm formação para lidar com esse fator de risco e também porque a maioria da população ativa é constituída por indivíduos genericamente mais robustos e saudáveis; existindo na população global elementos mais frágeis para as radiações.

Profissionais de saúde

Os médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde, que exerçam em alguns serviços hospitalares, estão sujeitos a quantidades eventualmente consideráveis de radiações. Aliás, acredita-se que a radiação associada aos procedimentos médicos constitua 95% da produzida pelo homem. Apesar de a evolução tecnológica ter permitido diminuir a radiação que estes profissionais são expostos por cada exame executado, ainda assim os procedimentos são efetuados com frequência crescente e, como a radiação é invisível, inodora e indolor, alguns profissionais banalizam a sua importância.

Num serviço onde se preste apoio oncológico, alguns dos fármacos administrados (citostáticos) imanam radiações que atingem com maior intensidade os dedos e mãos dos profissionais de saúde.

Genericamente, a intensidade de radiação recebida pelo profissional depende do tipo de equipamento médico utilizado, complexidade do procedimento, distância da fonte, tamanho do paciente, EPI (equipamentos de proteção individual) utilizados ou barreiras móveis (sendo estas uma das medidas mais eficazes). Por vezes, alguns profissionais evitam usar os EPI não só pelo desconforto, mas também pelo facto de argumentarem que, nessas condições, trabalharão mais lentificados, o que poderá aumentar o tempo de exposição às radiações; para além disso, uma parte significativa da radiação que atinge o profissional de saúde é proveniente da reflexão do doente.

Alguns estudos hematológicos (no sangue) encontraram incidência aumentada de danos celulares nos profissionais de saúde. Estas alterações podem, de certa forma, funcionar como “dosímetro biológico”. Outros autores também referem maior incidência de cataratas, cancro de mama e da pele.

A maioria dos isótopos usada nos exames auxiliares de diagnóstico têm emissão de radioatividade por apenas algumas horas. Ainda assim, dever-se-á evitar o contato com grávidas e crianças, além de ter cuidados especiais no manuseamento de fluidos corporais (sangue, urina, fezes). Recomenda-se o isolamento inicial da paciente num quarto só para si e restrição na entrada do mesmo. O material contaminado deverá ser incinerado. Só deve ser dada a alta quando os níveis de radioatividade baixarem.

Aviação (civil e militar)

Outra área destacada neste âmbito é a aviação, atingindo pilotos e tripulação. A radiação em causa (cósmica) é proveniente do sol (10%) e da galáxia (90%); esta é mais intensa em altitudes e latitudes mais elevadas. Ou seja, a 1800 metros, por exemplo, a radiação tem o dobro da intensidade, comparando com a que existe ao nível do mar. Há ainda que considerar o ozono, resíduos dos combustíveis, os campos eletromagnéticos dos instrumentos de voo e, no passado, o tabagismo passivo como fatores de risco eventualmente sinérgicos às radiações.

A radiação cósmica é composta por partículas muito energéticas, que vão perdendo a sua energia à medida que descem. Alguns autores consideram que estes profissionais estão expostos a radiações mais nefastas que os técnicos de saúde (mesmo comparando com os serviços hospitalares mais atingidos); até porque estes últimos (entre outros aspetos) usam EPIs e, às vezes, dosímetros, pelo que são monitorizados. Para além disso, ao contrário dos profissionais de saúde, nos quais se aplicam medidas de proteção coletiva (como rotatividade de tarefas, execução apenas das tarefas mínimas necessárias nos locais de maior risco e afastamento máximo da fonte de radiação ou bloqueio das mesmas com uma barreira), no setor da aviação a sua utilidade fica limitada.

Alguns estudos concluíram que os profissionais da aviação apresentam mais alterações cromossómicas, avaliadas também a nível das células hematológicas, considerando, contudo, que a intensidade dos danos dependerá da exposição, associada, entre outros fatores, ao número de horas de voo. Alguns artigos destacam ainda uma incidência aumentada de melanoma e cancro da mama, apesar que, em relação à primeira situação, também se pode considerar que a exposição solar em destinos tropicais, nos dias de folga entre voos, possa ser uma variável confundidora, quer na aviação civil, quer militar.

Para além disso, aos olhos da cronobiologia, o trabalhador por turnos noturnos e/ ou prolongados pode alterar o ritmo circadiano, perturbando a secreção de melatonina que, entre outras funções, se acredita que funciona como onco-supressora (destruição das células que poderão dar origem a cancros).

Conclusões

Existem profissões com maior risco no contexto das radiações ionizantes (pela intensidade e/ ou frequência do contato), cujos danos para a saúde, graves e por vezes banalizados, podem ser atenuados através de medidas adequadas de apoio médico, organização do trabalho/ procedimentos administrativos e/ ou EPI adequados.

A exposição ao radão associa-se a um maior risco de patologia oncológica, com particular destaque para o cancro do pulmão. Os edifícios laborais (e desejavelmente domiciliares também) devem ser construídos com materiais adequados, que simultaneamente não emitam radiação e que isolem eficazmente da radiação do solo, adequando também a ventilação. Para além disso, os trabalhadores de áreas mais susceptíveis devem ser sujeitos a vigilância médica adequada, de acordo com os conhecimentos científicos atuais, devendo também a organização do trabalho orientar-se por estas particularidades.

As radiações não ionizantes são um fator de risco profissional e pessoal cada vez mais frequente, pelo que a Equipa de Saúde Ocupacional deverá se preocupar em estar a par das principais investigações realizadas e respetivas conclusões, conseguindo orientar, entre a confusão gerada pela falta de consensos e abundância de resultados contraditórios, na medida do possível, as entidades empregadoras e os trabalhadores.