Normas coletivas não podem reduzir percentuais de adicional de insalubridade
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2019-03-01T13:22:55-03:00
  0 Avaliações
519 Visualizações

“É inválida a cláusula coletiva que reduz o percentual do adicional de insalubridade estabelecido no art. 192 da CLT e nas normas regulamentadoras elaboradas pelo Ministério do Trabalho com relação a determinada atividade, em virtude de se tratar de direito dotado de indisponibilidade absoluta, assegurado no art. 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal, e insuscetível de flexibilização mediante norma autônoma”. Essa é a tese jurídica firmada pelo Pleno do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (18ª Região) que deverá ser aplicada aos processos pendentes e futuros no âmbito do Regional, conforme decidido no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 0010071-11.2018.5.18.0000.

O IRDR originou-se da conversão de incidente de uniformização de jurisprudência (IUJ) instaurado pela 3ª Turma no ROPS-0010488-96.2017.5.18.0129, por haver decisões divergentes proferidas pelas Turmas do Tribunal sobre a possibilidade ou não de o percentual de adicional de insalubridade ser objeto de norma autônoma.

As normas autônomas são aquelas produzidas com a participação direta dos destinatários das regras produzidas, sem interferência do agente externo, como por exemplo as convenções coletivas de trabalho, o acordo coletivo de trabalho e o costume.

Ministério Público do Trabalho de Goiás

Por meio de parecer, o procurador-chefe do trabalho em Goiás, Tiago Ranieri, manifestou-se no incidente no sentido de que o expresso reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho pela Constituição da República, em seu artigo 7º, inciso XXVI, não permite a negociação de cláusulas contrárias a preceitos legais de natureza obrigatória. “Considerando que o artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal prevê o pagamento ao trabalhador de adicional pelo exercício em atividades insalubres na forma da Lei. E o artigo 192 da CLT assegura o adicional de insalubridade no percentual de 40% para atividades exercidas em estabelecimentos cujas condições de trabalho estejam submetidas ao grau máximo de insalubridade. Pode-se concluir que a supressão do direito ao adicional de insalubridade em grau máximo, com a fixação de percentual inferior por meio de instrumento coletivo, viola as medidas de higiene, saúde e segurança do trabalho que não estão sujeitas à negociação”, afirmou o procurador-chefe.

Tiago Ranieri trouxe também diversos entendimentos do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no sentido de ser inválida cláusula convencional que reduz o percentual de adicional de insalubridade fixado nas normas do Ministério do Trabalho relativamente a determinada atividade.

Amigos da Corte

Durante o prazo para terceiros interessados se manifestarem, a Federação do Comércio do Estado de Goiás (Fecomércio-Go); o Sindicato das Empresas de Asseio, Conservação, Limpeza Urbana e Terceirização de Mão de Obra do Estado de Goiás (SEAC-GO); a Federação dos Hospitais, Laboratórios, Clínicas da Imagem e Estabelecimentos de Saúde no Estado de Goiás (Fehoesg); o Sindicato das Clínicas Radiológicas, Ultra-sonografia, Ressonância Magnética, Medicina Nuclear e Radioterapia no Estado de Goiás (Sindimagem) e o Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde no Estado de Goiás (Sindhoesg) apresentaram suas razões sobre o tema. Essas entidades foram acolhidas no processo na qualidade de amici curiae e suas manifestações e documentos recebidos.

Um estabelecimento hoteleiro também pleiteou seu ingresso como terceiro interessado, mas o pedido foi indeferido. De acordo com o relator, a empresa não detinha representação adequada, além de sua intervenção buscar a defesa apenas de interesses particulares, divergindo do objetivo do IRDR.

O amicus curiae, expressão latina no singular que significa “amigo da corte” ou “amigo do tribunal”, é a pessoa ou entidade que vem ao processo para auxiliar o Tribunal, provocada ou voluntariamente, oferecendo esclarecimentos sobre questões essenciais à solução da causa. Deve demonstrar interesse na causa, em virtude da relevância da matéria e de sua representatividade quanto à questão discutida, requerendo ao Tribunal permissão para ingressar no feito. O objetivo dessa figura processual é a proteção de direitos sociais amplos, sustentando teses fáticas ou jurídicas em defesa de interesses públicos ou privados, que serão reflexamente atingidos com o desfecho do processo.

Voto

O relator, desembargador-presidente Paulo Pimenta, ao iniciar seu voto, destacou que as normas constitucionais que tratam do adicional de insalubridade e reconhecimento das normas laborais autônomas são o ponto de intersecção sobre o incidente. O magistrado registrou que no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 590.415, de relatoria do ministro Luis Roberto Barroso, não houve o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de que a negociação coletiva pudesse se sobrepor às normas de saúde e segurança do trabalho, incluindo as regras sobre a prestação de serviços em condições insalubres e o recebimento do adicional de insalubridade.

Paulo Pimenta destacou que ficou expressamente consignado na decisão do Supremo “que as regras autônomas juscoletivas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo, mesmo que sejam restritivas dos direitos dos trabalhadores, desde que não transacionem setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade absoluta”, devendo-se proteger um “patamar civilizatório mínimo” que abrange, entre outras, as normas de saúde e segurança do trabalho.

O presidente apresentou, ainda, decisões do STF que reafirmam a possibilidade de pactuação de normas trabalhistas coletivamente, como consequência da autorização contida no artigo 7º da Constituição, desde que os direitos de indisponibilidade absoluta sejam resguardados, uma vez que são integrantes do patamar civilizatório mínimo definido no julgamento do RE 590.415. “Do cotejo desses provimentos jurisdicionais, extrai-se que o STF não se posicionou no sentido de atribuir à negociação coletiva salvo-conduto para afastar ou restringir preceitos tutelares de indisponibilidade absoluta, dotados de salvaguarda constitucional, como o pagamento de adicional de insalubridade”, destacou Paulo Pimenta.

O relator asseverou que a dicotomia entre o reconhecimento das convenções e acordos coletivos e a tutela da saúde e segurança do trabalhador deve ser superada pela primazia atribuída pelo constituinte originário ao principio constitucional da dignidade humana, previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição. Além desses princípios constitucionais, de acordo com o desembargador, devem ser considerados os axiomas relativos ao Direito do Trabalho, como os da proteção do trabalhador e da norma mais favorável, que legitimam a interpretação no sentido da preservação da intangibilidade da garantia de percepção da contraprestação salarial condizente com a natureza mais ou menos nociva do meio ambiente laboral.

O presidente salientou que a fixação do grau de insalubridade segundo a discriminação de agentes, atividades e operações contida nas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho é matéria de ordem pública, garantida por preceitos constitucionais e insuscetíveis de transação coletiva. O relator salientou que não há nenhuma perícia de insalubridade nos autos, tampouco seria necessário um laudo no processo, devido à natureza jurídica da discussão do IRDR.

Paulo Pimenta trouxe o entendimento do TST, por meio de diversos julgados, no sentido de que a graduação do adicional de insalubridade em percentuais proporcionais à intensidade dos agentes nocivos existentes no meio ambiente do trabalho é um meio de retribuir ao trabalhador proporcionalmente, conforme o grau de insalubridade no local de suas atividades, não se admitindo a redução do acréscimo salarial por cláusula coletiva em nenhuma atividade. Por fim, o presidente conclui o julgamento fixando a seguinte tese jurídica vinculante: “É inválida a cláusula coletiva que reduz o percentual do adicional de insalubridade estabelecido no art. 192 da CLT e nas normas regulamentadoras elaboradas pelo Ministério do Trabalho com relação a determinada atividade, em virtude de se tratar de direito dotado de indisponibilidade absoluta, assegurado no art. 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal, e insuscetível de flexibilização mediante norma autônoma.”

Fonte: TRT-GO