Análise de Riscos na Atividade de Desobstrução de Redes Coletoras de Esgoto
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2020-08-27T08:44:19-03:00
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A coleta, o transporte, o condicionamento e o encaminhamento de esgoto sanitário a uma disposição final adequada, de modo contínuo e higiênico, são realizados pelo conjunto de condutos, instalações e equipamentos denominado como Sistema de Esgotamento Sanitário (SES). No Brasil, os SES são predominantemente do tipo separador absoluto, em que as águas residuárias (domésticas e industriais) e as águas de infiltração (subsolo), que constituem o esgoto sanitário, transitam em um sistema independente da drenagem pluvial, responsável pela coleta e transporte das águas pluviais.

Uma parte fundamental de um sistema de esgotamento sanitário é a rede coletora. Trata-se do conjunto de condutos destinados a receber e conduzir os esgotos dos edifícios. Em detalhes, a rede coletora é composta pelos coletores  secundários, que recebem diretamente o esgoto das ligações prediais, e pelos coletores tronco, que recebem a contribuição de coletores secundários e levam os efluentes a um interceptor ou a um emissário. Esses são, respectivamente, a canalização que recebe coletores ao longo de seu comprimento e a canalização responsável por conduzir os esgotos a um destino adequado, como uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE).

A alta quantidade de sólidos orgânicos e minerais no esgoto, em conjunto com a necessidade da rede atuar como um conduto livre, justificam a instalação de órgãos acessórios nas redes coletoras. Trata-se de dispositivos pontuais que minimizam entupimentos em locais singulares da tubulação, como nas curvas. O órgão acessório mais recorrente no Brasil é o Poço de Visita (PV).  Segundo a ABNT (1986b), o PV é uma câmara visitável com uma abertura em sua parte superior e destinada à execução de trabalhos de manutenção, e que devem ser construídos no início dos coletores, na reunião de coletores, nos degraus e nas mudanças de direção, de declividade, de diâmetro e de material. Em termos estruturais, um PV deve possuir um tampão e uma câmara com diâmetro mínimo de 60 e 80 cm, respectivamente. Para recebimento do esgoto, utiliza-se um dispositivo denominado tubo de queda, que liga o coletor afluente ao fundo do poço. Para destinar o efluente ao próximo coletor, são implementadas calhas para guiar o fluxo até a saída. Através da abertura superior, permite-se o acesso de pessoas e equipamentos para execução da limpeza e manutenção da rede. A Figura abaixo,  apresenta um exemplo de poço de visita disponibilizado pela FUNASA, com dimensões e indicativo do fluxo do efluente.

A Análise Preliminar de Riscos (APR), é uma expressão genérica utilizada para o exercício que busca identificar quais perigos possuem o potencial de resultar em um risco significativo. Esta técnica pode ser aplicada na fase operacional de um sistema, produto ou processo. Se aplicada no âmbito laboral, como na atividade em questão, a APR permite a quantificação dos riscos no ambiente de trabalho, e a respectiva hierarquização da prioridade de eliminação ou correção.

Com origem no setor militar, a APR pode ser aplicada como uma análise inicial ou como ferramenta de revisão geral de segurança em sistemas já operacionais, evidenciando aspectos anteriormente desapercebidos. Embora aparente simplicidade, o preenchimento de uma planilha de APR é um processo exaustivo e requer muita atenção. De forma periódica, é necessário refazê-la para verificar se as sugestões de melhoria propostas na fase anterior foram aplicadas. Esse processo cíclico deve ser sucessivamente repetido até que os riscos mais severos tenham sido administrados. Quanto mais alto o grau de classificação de um risco, mais detalhada deve ser a investigação e a aplicação de medidas. Essas devem seguir a seguinte hierarquia:

1. Medidas de caráter coletivo

- Medidas de controle na fonte: eliminação ou redução da utilização ou da formação dos agentes prejudiciais à saúde humana;

- Medidas de controle no meio (trajetória):

a) Prevenção da liberação ou disseminação dos agentes;

b) Redução dos níveis ou da concentração dos agentes.

2. Medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho;

3. Utilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI).

As medidas 2 e 3 devem ser adotadas apenas nos seguintes casos: se comprovada a inviabilidade técnica da implantação de medidas coletivas; ou se as medidas coletivas não forem suficientes; ou se as medidas coletivas estiverem em fase de estudo, planejamento ou implantação; ou se adotadas em caráter complementar ou emergencial. Boa parte das empresas brasileiras, entretanto, ignora a ordem apresentada na NR-9 e utiliza a EPI como primeira alternativa, devido a sua fácil aplicação e baixo custo. Uma alternativa de sequência hierárquica para as medidas de controle de riscos parelela àquela da NR-9, é proposta por OHSAS: eliminação; substituição; controles de engenharia; sinalização e advertência; e EPIs.

No final, uma APR deve se assemelhar a um inventário de ações para controle e eliminação da frequência e da severidade dos riscos analisados, com o intuito de diminuição de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. Em outras palavras, a importância maior da APR é para a determinação de medidas de controle e de prevenção de riscos e para a definição de responsabilidades. Quaisquer que sejam as medidas propostas, essas devem ser ações técnicas e eficientes, com implementação e manutenção garantidas no sistema de gestão da Saúde e Segurança do Trabalho de uma determinada organização.

Por fim, ressalta-se que, se comparada com outras técnicas de análise de riscos, a APR possui vantagens como a rapidez, a proposição de medidas de mitigação e controle, a existência de critérios para continuidade do processo e o auxílio na seleção de áreas nas quais outras ferramentas mais complexas podem ser usadas. A APR pode, inclusive, ser aplicada de forma conjunta com outras técnicas de análise de riscos, como a HAZOP.

Falhas mais comuns na atividade de desobstrução de redes coletoras de esgoto

- Poço de visita desprotegido:  Poço de visita a ser desobstruído aberto e sem proteção durante toda a frente de trabalho, inclusive antes da operação efetivamente se iniciar. Devido ao diâmetro do PV ser superior ao do corpo humano e à intensa movimentação dos funcionários no local, considera-se uma situação perigosa;

O risco de queda, decorrente da situação perigosa do poço de visita desprotegido, possui um grau moderado devido à sua frequência estimada como D (provável) e severidade estimada como II (marginal). Para esse risco, é sugerida apenas uma medida preventiva: que se abra o poço de visita apenas no momento da descida, diminuindo a probabilidade de queda durante o resto da jornada de trabalho.

- Exposição a efluentes:  Trabalhadores expostos a efluentes não tratados em duas situações: através de vazamentos superficiais oriundos da rede coletora de esgotos, e através da descida no PV. A ausência de equipamentos de proteção individual  específicos, também está evidenciada em grande parte  das atividades desenvolvidas neste setor;

O contato frequente com efluentes e a severidade dos seus efeitos, tornam o risco de patógenos o único com grau crítico para a função de desobstrução de redes de esgoto. As medidas preventivas e corretivas sugeridas são: controle expedito de vazamentos superficiais, tornando a exposição aos efluentes menos frequente; uso de EPI completo para o risco (luvas, manga comprida, botas e óculos escuros); e o incentivo à higiene pessoal dos trabalhadores, principalmente no que tange a lavar as mãos depois do trabalho. Cita-se que, de acordo com o Anexo XIV da NR-15, os trabalhadores que exercem atividades em contato permanente com esgotos recebem insalubridade de grau máximo devido aos agentes biológicos envolvidos.

- Trabalho em vias com tráfego intenso : O tráfego intenso de carros durante a operação representa uma situação perigosa para trabalhadores, motoristas e transeuntes. A situação é ainda mais delicada no caso de uma via estreita. Nesse caso, os carros transitam parcialmente por cima das calçadas e, ao mesmo tempo, estão muito próximos da equipe de trabalho;

O risco de colisões e atropelamentos, resultante do trabalho em vias com tráfego intenso, possui frequência atribuída como D (provável) e severidade como III (crítico). Com isso, estima-se um risco de grau sério. Visando a prevenção e a correção desse risco,  sugere-se as seguintes medidas: ampliação da sinalização viária, com maior intensidade e visibilidade; e separação de espaço reservado para pedestres transitarem em segurança nas calçadas.

- Trabalhadores expostos ao Sol: Os trabalhadores realizam todo esse processo de desobstrução de rede de esgoto, na grande maioria das vezes,  sob condições de sol forte e elevada sensação térmica, além do que, a ausência de EPI’s  para proteção das mãos, antebraços, olhos e pele, é gravemente comum no transcurso dessas atividades;

O risco de radiação não ionizante é um reflexo da incidência de raios solares no corpo dos funcionários durante o trabalho em ambientes externos. O  Sol emite tanto raios infravermelhos quanto raios ultravioleta, ambos tipos de radiação não ionizantes, podendo causar efeitos imediatos ou acumulativos, como queimaduras e câncer de pele.

Por fim, ressalta-se que não há limites de tolerância para radiações não ionizantes por exposição solar na NR-15 (Anexo 7). Assim, conforme sugere a NR-09, devem ser adotados os limites das normas da Conferência Americana de Higienistas Industriais Governamentais (ACGIH) para a prevenção e o controle desse risco;

- Contato com material enferrujado: Observa-se que esses trabalhadores ficam expostos à materiais enferrujados, a exemplo de algumas ferramentas, e da própria tampa de abertura do poço de visita;

O risco de tétano devido à presença da bactéria Clostridium tetani em materiais enferrujados, possuem  frequência e severidade estimadas como C (improvável) e II (marginal), respectivamente. As medidas para prevenção e correção do risco propostas são: a troca de equipamentos enferrujados, a remoção da ferrugem das tampas dos poços de visita, e a utilização de luvas como EPI.

- Manuseio de mangueira de hidrovácuo: O manuseio da mangueira de hidrovácuo, sendo a atividade mais recorrente durante a rotina de trabalho de desobstrução de redes de esgoto, também é considerada um perigo da função;

As dificuldades atreladas ao manuseio da mangueira de hidrovácuo geram o risco da postura inadequada, o único risco ergonômico identificado na função de desobstrução de redes coletoras de esgoto. Com frequência estimada como E (frequente) e severidade como II (marginal), tem-se um risco de grau sério. Sugere-se, como medidas preventivas e corretivas: a realização de treinamentos instruindo sobre a importância da boa postura no trabalho; aulas e ensinamentos de ginástica laboral; pausas constantes durante a jornada de trabalho; e rodízio dos funcionários presentes no manuseio da mangueira de hidrovácuo.

Para o risco da perda de controle da mangueira, decorrente das dificuldades no manuseio da mesma, habitualmente são atribuídas frequência E (frequente) e severidade II (marginal), o que resulta em um risco de grau sério. As medidas preventivas e corretivas desse risco são: o treinamento de melhores práticas, instruindo a operação da mangueira com maior segurança; e a troca da mangueira por outra mais estável, se houver disponibilidade no mercado.

- Uso de lanternas de baixa capacidade: As lanternas utilizadas para guiar a descida dos trabalhadores no PV, devem possuir potencial de iluminação equivalente à necessidade de visibilidade no local . Uma vez que no interior do poço de visita são realizadas atividades que demandam perícia e atenção, como a utilização de serra para corte de PVC, essa situação deve ser considerada perigosa;

Por fim, tem-se o risco de iluminação inadequada decorrente do uso de lanternas de baixa capacidade durante a descida dos funcionários ao poço de visita. Devido à frequência ser estimada como E (frequente) e a severidade como II (marginal), o risco possui grau sério. Salienta-se que, segundo o item 17.5.3. da NR-17, em todos os locais de trabalho deve haver iluminação adequada, natural ou artificial, geral ou suplementar, apropriada à natureza da atividade. A mesma norma, no item 17.5.3.3., indica que os métodos de medição e os níveis mínimos de iluminamento estão definidos na Norma de Higiene Ocupacional nº 11 (NHO 11), da Fundacentro. Em síntese, é indicada a troca da lanterna por uma mais potente e, se for aplicável para a dinâmica de trabalho em um espaço confinado, a utilização de um capacete com iluminação acoplada também é aconselhada.

- Produção de gases na rede de esgoto:  A decomposição anaeróbia de matéria orgânica e a conseguinte produção de gases com potencial tóxico aos seres humanos, como o sulfeto de hidrogênio (H2S), é uma situação notoriamente perigosa para trabalhadores da área de operação do saneamento básico. Embora os efeitos de um gás dependam da sua concentração, considera-se a situação como perigosa para esses trabalhadores, visto que, como já destacamos, não é rara a ausência de equipamentos de proteção adequadas. Paralelamente a isso,  a concentração de gases inflamáveis, também presentes nessas áreas, potencializa as chances de explosões.

O risco de H2S (sulfeto de hidrogênio) é decorrente das condições anaeróbias que existem em partes da rede coletora de esgoto. Embora os efeitos desse gás sejam variáveis de acordo com a concentração (de detecção de odor característico, com concentração de 0,05 a 5 ppm, até a morte, com concentração de 700 a 1500 ppm), entende-se que a concentração no ambiente laboral estudado não é tão elevada e, consequentemente, classificou-se o grau do risco como moderado. Entretanto, para confirmação dessa hipótese, a empresa deve mensurar a concentração de H2S nos poços de visita, cientes que os limites de tolerância do agente estão definidos no Anexo XI da NR-15. De qualquer forma, são sugeridas as seguintes medidas de

De qualquer forma, são sugeridas as seguintes medidas de prevenção e controle: treinamento dos funcionários, fornecendo orientações sobre os sinais e sintomas da exposição ao H2S; e o uso de EPI para controle respiratório, como a máscara de respiração, por exemplo.

Em síntese, os resultados apontados em uma APR, podem tornar a rotina de trabalho dos trabalhadores mais saudável e segura, diminuir os custos da empresa, e auxiliar na Gestão de Riscos Ocupacionais, como em um eficiente Mapa de Riscos. Trata-se de um mapeamento inédito para essa função, em que, inclusive, os resultados podem repercutir e serem utilizados para a análise de casos semelhantes no universo laboral do saneamento básico.

Por: André Castellani Lopes