Segurança do Trabalho: Uma História Brilhante Transformada em Descaso
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2019-07-31T09:56:09-03:00
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No Brasil, em 2013, ocorreram 2.797 acidentes de trabalho com morte. Algumas das principais causas que contribuíram para esse número foram: falhas na capacitação e treinamento, atitudes imprudentes em ambientes perigosos, falha no cumprimento das leis trabalhistas por parte dos empregadores e a não utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).

Os setores que apresentaram maior incidência de acidentes foram a construção civil e o transporte de cargas, porém, a construção civil é o segmento mais letal para os trabalhadores.

O estudo do histórico da segurança do trabalho permite que se conheça a evolução de métodos, aplicações técnicas, legislação, desenvolvimento de matérias-primas e produtos, doenças ocupacionais e metodologias de reconhecimento, avaliação e controle dos riscos ambientais.

Aspectos Históricos

A Revolução Industrial foi o principal acontecimento histórico que contribuiu para o aumento dos problemas de saúde relacionados com as atividades laborais ou atividades de trabalho.

Os riscos inerentes a atividades de trabalho, que até então estavam restritas ao artesanato, ampliaram-se com a utilização das máquinas a vapor, gerando como consequência a produção em larga escala e o aumento da jornada de trabalho que chegava até 16 horas.

As fábricas eram localizadas em ambientes impróprios e as condições de trabalho eram muito ruins. Além disso, a utilização de mão de obra infantil e de mulheres era rotina. O resultado desse cenário foi o enorme número de doenças, acidentes de trabalho, mutilações e mortes.

Revolução Industrial

O processo evolutivo nas operações de manufatura ocorreu entre 1760 e 1840. Essa etapa de transformação culminou na utilização de máquinas, na fabricação de produtos químicos, nos processos de produção do ferro, na maior eficiência da utilização da água como recurso de energia a vapor e no aperfeiçoamento de ferramentas, além da substituição da madeira pelo carvão mineral.

A Revolução Industrial começou na Inglaterra e, posteriormente, espalhou-se pelos Estados Unidos e pela Europa Ocidental.

Conquistas adquiridas com o passar dos anos

Uma das principais características que podemos evidenciar na prática moderna da Segurança do Trabalho, é que procedimentos que antes eram adotados para atendimento de formalidades legais ou burocráticas, passaram a complementar as estatísticas de gestão econômica de recursos das empresas e incorporações modernas. Podemos destacar, a seguir, alguns importantes fatos que foram construídos por meio da evolução e do aperfeiçoamento de medidas, com o objetivo de contribuir com o exercício seguro das atividades laborais nos mais diversos ambientes.

- A dignidade do trabalho passou a ser fator fundamental na prática das atividades, bem como as medidas de gratificação que promovem a qualificação profissional e crescimento como cidadão.

- Tornou-se comum a adaptação do trabalho ao homem, priorizando as questões de ergonomia aplicadas na legislação de SST, sendo evidenciada na adaptação e ajuste de máquinas, equipamentos e mobiliário, mudança dos processos produtivos, jornadas de trabalho e intervalos.

- O novo conceito de saúde foi consolidado, não relacionado apenas à inexistência das doenças e sim enfatizando a plena saúde física, mental e social. As normas legais buscam hoje em dia um ambiente de trabalho saudável, sem a única preocupação com existência de agentes insalubres, e sim com a preocupação com a prevenção de qualquer fator negativo do ambiente.

- Os trabalhadores passam a ter acesso às informações relativas à segurança e à saúde no ambiente de trabalho, bem como a garantia de participação nos processos de elaboração das normas por meio de representantes.

- Os fatores e agentes de risco no ambiente de trabalho não são mais considerados problemas isolados, e passam a ter uma importância geral. A potencialização dos agentes, torna-se comum pelo contato entre eles. A jornada de trabalho excessiva, as condições ambientais e processos, passam a ter relação direta com a geração e o agravo das doenças ocupacionais.

- Extinção de fatores de risco, por meio da priorização das medidas de controle de eliminação e que tenham alcance coletivo.

- Priorização das medidas coletivas de controle em detrimento das medidas de proteção individual.

- A limitação do tempo de exposição do trabalhador a atividades insalubres passa a contar com a possibilidade de redução da carga horária de trabalho.

- Proibição de prêmios por produtividade e limitação da jornada são ações que tem o objetivo de evitar a repetição e a monotonia no trabalho, consequências geralmente das tarefas de trabalho mecânico onde não haja necessidade da utilização de criatividade ou raciocínio constante.

- O empregador passa a ter responsabilidade pela aplicação das normas, sendo que assume a geração dos riscos no ambiente de trabalho. No caso de terceirização de serviços, aplica-se o princípio da responsabilidade solidária.

- O empregador ou tomador de serviço, neste momento da história, passa a ser responsável pela aplicação das normas de segurança e saúde do trabalho, adotando o princípio de que quem gera o risco é responsável por ele. Na presença de serviços terceirizados, ficou frequenciado o estabelecimento de responsabilidade solidária entre tomadores de serviços e empregadores formais.

A Segurança no Trabalho vinha sendo motivo de constantes modificações de processos, no ambiente, nas máquinas e equipamentos, nas ferramentas e nos produtos utilizados, nas diversas atividades laborais no decorrer de nossa história. O mais interessante dessa constatação, é que nenhuma dessas modificações provou ser ineficiente ou sem sentido, sempre oferecendo melhor qualidade de vida às pessoas e um meio ambiente laboral cada vez mais saudável.

Todos os estudos, as análises, as pesquisas e as descobertas custaram um alto preço para a vida das pessoas que trabalhavam em condições muito ruins, seja por desconhecimento, seja por necessidade produtiva imposta pelos empregadores. Sem elas não seria possível a obtenção de provas por meio das consequências de uma vida laboral insalubre ou perigosa.

Como poderíamos ter conhecido as consequências, por exemplo, da utilização de amianto, mercúrio, hidrocarbonetos aromáticos entre muitos outros elementos se não da pior forma possível que é a de constatar os danos presentes no organismo do próprio trabalhador?

Em memória de todos esses trabalhadores, nós, profissionais da área de segurança e saúde do trabalho, temos o dever da constante manutenção e busca de melhorias das condições nos ambientes de trabalho, priorizando sempre as medidas preventivas para, quem sabe, num futuro próximo, tornar as relações de trabalho e produtividade inteiramente saudáveis.

Uma análise séria e preocupante: Como tudo começou a ser destruído?

Reforma Trabalhista

A Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467/2017, trouxe, entre outras alterações à CLT, a terceirização do trabalho, entendendo-se como "o ato pelo qual a empresa produtora, mediante contrato, entrega a outra empresa certa tarefa para que esta a realize habitualmente com empregados desta". O termo "terceirização" nasceu no Brasil e demonstra a real intenção do empresariado brasileiro no repasse a "terceiro" (no sentido de "outro") da posição de empregador e, assim, da responsabilidade pelos encargos decorrentes da relação empregatícia".

Na nova lei, o art. 4º-A foi inserido, com a seguinte redação:

Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Há destaque para os artigos seguintes, a fim de evitar que os empregados sejam demitidos para serem contratados imediatamente como terceirizados:

Art. 5º-C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4º-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.

Art. 5º-D. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado.

Ainda quanto aos terceirizados, a nova lei assegura-lhes, no seu art. 4º-C:

Quando e enquanto os serviços forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições relativas a alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios; direito de utilizar os serviços de transporte; atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado; treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir.

Também garante igualdade de "condições sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço". E abre a possibilidade de que "poderão estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo".

A Reforma Trabalhista trouxe também o teletrabalho, que é a prestação de serviço fora da empresa com a utilização de tecnologia de comunicação, em atividade que não se constitua como trabalho externo. O art. 62 da nova redação informa que esses trabalhadores não são abrangidos pela legislação quanto ao capítulo da CLT, que diz respeito à jornada de trabalho. Até o momento da reforma, a CLT restringia as possibilidades do trabalho a distância a ofícios e tarefas considerados incompatíveis com os horários normais de trabalho. Agora, com a nova legislação, há um capítulo II-A inteiramente tratando do assunto, no qual se destaca o art. 75-E, que informa que "o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho", e seu parágrafo único, que diz que "o empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador".

Destaca-se também o art. 59-A, que faculta "às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação". E o art. 611-A, que versa sobre o fato de A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: [...]

III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas.

Anteriormente, o art. 71 da CLT deixava claro que:

Quanto às gestantes, o art. 394-A da nova lei informa que "a empregada deverá ser afastada de: I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação", sendo que somente será afastada de locais com grau de insalubridade médio ou mínimo, se apresentar atestado médico que recomende essa medida tanto no caso da gestação como no de amamentação. Ainda, o art. 396 da CLT, cujo caput não foi alterado, informa que: "para amamentar o próprio filho, até que este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a dois descansos especiais, de meia hora cada um". Mas foi acrescido o § 2º, informando que: "os horários dos descansos previstos no caput deste artigo deverão ser definidos em acordo individual entre a mulher e o empregador".

Antes mesmo de a Reforma Trabalhista ter sido aprovada, as estatísticas oficiais já demonstravam que o país apresentava dados indicando "insuficiência em seus aspectos preventivos relacionados à saúde do trabalhador": entre 2010 e 2014, foram emitidas 3.317.932 Comunicações de Acidentes do Trabalho (CATs). Em termos gerais, "o acidente de trabalho é aquele sofrido pelo empregado a cargo do empregador, ou pelo segurado especial, no desenvolvimento da atividade profissional, que cause perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade laborativa, a ele equiparando-se as situações previstas no art. 21 da Lei nº 8.213 de 1991".

Mas, autores de notório saber jurídico definem o acidente de trabalho típico como sendo "um acontecimento em geral súbito, violento e fortuito, vinculado ao serviço prestado a outrem pela vítima que lhe determina lesão corporal". Ou como "o evento único, subitâneo, imprevisto, bem configurado no espaço e no tempo e de consequências geralmente imediatas", não sendo de sua essência a violência, e podendo redundar "em danos graves e até fatais meses ou anos depois de sua ocorrência". Ou ainda "é o que ocorre de forma instantânea e atinge o trabalhador de súbito, causando-lhe gravame consubstanciado numa incapacidade parcial ou total (transitória ou definitiva) para o trabalho, com dano lesivo à saúde física ou psíquica, podendo ainda resultar na morte do trabalhador".

Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.

As alterações trazidas pela reforma trabalhista não alteram a PNSTT, que protege trabalhadores e trabalhadoras, quer como grupo vulnerável ou não, quer como terceirizados ou diretos, gestantes e lactantes, além de trabalhadores em atividades de maior risco para a saúde. Apesar disso, considerando-se o aumento estatístico em acidentes de trabalho apresentado nos últimos anos vitimando os empregados terceirizados, haverá maior demanda de serviço para o SUS com o atendimento do crescente número dessa classe de trabalhadores, que passou a ocorrer a partir da vigência da Lei nº 13.467, e consequentemente maior número de emissão de CAT.

Apesar de a NR 4 do antigo Ministério do Trabalho, exigir que empresas que contratam terceirizadas estendam os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho aos terceirizados (item 4.5 da NR 4), é notório que empregados dessas firmas não têm obrigações relacionadas à segurança e à saúde na empresa contratante, exceto se isso estiver disposto em lei. Assim, a nova lei garante aos terceirizados igualdade de "condições sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço", o que não afeta a aplicação das NRs 6, 7 e 9. Também garante:

Quando e enquanto os serviços forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições relativas a alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios; direito de utilizar os serviços de transporte; atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado; treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir.

Assim, não há discriminação entre empregado direto e empregado terceirizado, quanto aos aspectos ali elencados. Porém, "as empresas terceirizadas são menores, investem menos em segurança e expõem seus trabalhadores a maiores riscos de acidentes". Além disso, em média, "esse grupo de trabalhadores realiza uma jornada de 3 horas a mais semanalmente", sendo por isso mais suscetíveis a acidentes.

A fim de evitar demissão em massa para contratação na nova modalidade, gerando situações que podem levar ao desgaste físico e emocional do trabalhador, a Lei nº 13.467 tratou de estabelecer um prazo mínimo de 18 meses entre demissão de empregado e contratação do mesmo como terceirizado.

Porém, ao abrir a possibilidade de salários iguais entre terceirizados e empregados diretos, não garante essa igualdade, sendo geralmente pagos salários menores aos primeiros, apesar das mesmas funções e de jornadas idênticas. Tal fato gera estresse físico e emocional, além de refletir diretamente na qualidade de vida (QV) do terceirizado e de seus familiares. Acrescenta-se a isso o fato de que "o terceirizado é um trabalhador invisível para a sociedade: não recebe o mesmo treinamento; não tem cobrança para o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) e não ganha o mesmo que um empregado direto, exercendo a mesma função", o que também interfere na sua QV.

A OMS esclarece que a QV é a percepção do indivíduo sobre sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais ele vive, e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações, de forma a superar a multidimensionalidade entre os indivíduos.

Existem dois movimentos principais na gestão da QVT, sendo um individual e outro organizacional. No que diz respeito ao individual, refere-se ao aprofundamento da compreensão a respeito do estresse e das doenças associadas às condições do ambiente de trabalho; quanto ao organizacional, destaca a expansão do conceito de qualidade total, abrangendo aspectos comportamentais e a satisfação de expectativas individuais, além de processos e produtos, objetivando a concretização dos resultados da empresa, por isso a importância das visitas da equipe de saúde do trabalhador aos locais de trabalho. Assim, ao haver diferenciação entre terceirizado e empregado direto, houve a quebra dessa isonomia, gerando expectativas negativas, estresse, carga horária aumentada em busca de salários melhores, entre outros fatores que impactam negativamente a saúde de determinado grupo de trabalhadores.

Da mesma forma se refere ao trabalho remoto, pois a falta de controle da jornada de trabalho para os empregados aumenta os riscos de adoecimento, por conta do estresse e da desorganização da vida particular, especialmente pelo fato de o funcionário ficar ligado praticamente todo o tempo a dispositivos como computador e celular, sem ter um horário definido.

Já em relação à possibilidade de jornada de 12 horas de trabalho com 36 de descanso, antes restrita a algumas categorias profissionais, como as de vigilância e de saúde, ela passa a ser estendida para qualquer área, afetando sobremaneira os intervalos de repouso e descanso, assim como a redução do período para refeição, durante a jornada, que passa a ser de, no mínimo, 30 minutos, em vez de 1 hora, como estabelecia a legislação anterior, e quanto menor o tempo de descanso "maiores os riscos de acidentes do trabalho e de adoecimento ocupacional".

A carga horária de trabalho aumentada e a redução do intervalo para descanso e refeição provocam danos à saúde física e mental do trabalhador, além de gerar impacto na qualidade do trabalho, que pode acumular acidentes em virtude do cansaço. Quando o art. 59-A informa a possibilidade de observação ou de indenização dos intervalos para repouso e alimentação, abre a possibilidade de o trabalhador arcar com uma carga horária de até 12 horas sem direito a descanso ou refeição, gerando inúmeros problemas de saúde com o passar do tempo, além de queda no rendimento e na qualidade do trabalho, possibilidade maior de acidentes, devido à desatenção e ao cansaço. Mesmo que observada a meia hora de intervalo para refeição, o trabalhador teria de se alimentar de forma muito rápida, considerando o tempo gasto entre a saída e a volta do local de trabalho ao de alimentação, gerando digestão inadequada e péssima escolha de alimentos, pressa, estresse, entre outros agravantes que culminam em má QV.

Sobre a atuação de grávidas e lactantes em local insalubre, haverá maior impacto na saúde das mães e dos bebês, já que poderão trabalhar em locais considerados de grau médio ou mínimo de insalubridade, caso não apresentem atestado médico impeditivo do fato. Anteriormente, grávidas e lactantes não deveriam permanecer em locais insalubres, independentemente do grau de risco à saúde, porém, com a reforma, poderão trabalhar em ambientes com médio ou baixo grau de insalubridade, desde que autorizadas por um médico. A lei anterior também estabelecia duas pausas de meia hora para que as mães amamentassem seus bebês, mas a partir de agora esse direito deve ser negociado com o patrão, fato que pode impactar na formação do bebê, considerando-se horários inadequados de alimentação. O trabalho é fator fundamental de integração social, muito relevante na vida das pessoas e, dependendo do tipo de serviço, assim como das condições em que é realizado, pode ser considerado como fator de prazer ou de realização pessoal, mas também pode se constituir como fonte de adoecimento. Assim, apesar de abrir a possibilidade de maior número de trabalhadores contratados, a reforma trouxe efeitos negativos na saúde, dada a possibilidade de aumento de acidentes do trabalho, doenças e incapacidades, além do impacto prejudicial que trará à QV do operário e de seus familiares.

Modernização de Normas Regulamentadoras da Segurança e Saúde do Trabalho

Entre 2011 e 2013, a indústria respondeu por 461.177 acidentes típicos (afora os de trajeto e as doenças), no total de 1.284.694, praticamente um terço do total. Segundo o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, nesse mesmo triênio, houve 221.843 acidentes diretamente ligados à operação de máquinas e equipamentos (NR 12), resultando em mais de 600 mortes. No período, foram 41.993 fraturas e 13.724 amputações. Esses dados, segundo análise do juiz do Trabalho Guilherme Feliciano, “revelam bem qual é o custo social do agudo perigo envolvido no setor”

Em maio, quando o governo anunciou a intenção de mudanças nas NRs, a reação foi forte. O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) afirmou que a simplificação “é um atentado contra a vida dos brasileiro”. As 37 NRs vigente foram criadas na década de 1970, em plena ditadura militar, “quando o Brasil, lamentavelmente, era o campeão mundial de acidentes de trabalho”. O cenário melhorou muito graças ao esforço de construção das NRs e da Fiscalização do Trabalho, aponta o sindicato.

Mas o país ainda tem muito que avançar, de acordo com o Sinait. “Nos últimos seis anos ocorreu um acidente de trabalho a cada 49 segundos, o que levaria qualquer governo a adotar medidas diametralmente opostas ao que se anuncia”, reforça o sindicato. O presidente do Sinait, Carlos Silva, denunciou as mudanças repentinas à Organização Internacional do Trabalho (OIT), “como forma de descumprimento da Convenção 155, que trata sobre segurança e medicina do trabalho”.

Guilherme Feliciano, professor da Universidade de São Paulo e ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), explicou que a medida do governo prejudica em muito o empregado. “Para a abertura do estabelecimento, já não se verificam os impactos para a saúde do trabalhador. Veja a contradição: o empreendedor muitas vezes terá de apresentar o EIA/RIMA, demonstrando que o empreendimento não agride o meio ambiente natural, mas não precisará se sujeitar a qualquer medida preventiva relacionada à higidez do meio ambiente do trabalho”.

Armadilha

Em relação à NR 12 (que trata de máquinas), Feliciano enfatiza que “essa ‘modernização’ referenda o front político que, há cinco anos, pretendia suspender os efeitos da NR 12 e depois revisá-la visceralmente, ao argumento – entre outros – de que, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), seria necessário um investimento de R$ 100 bilhões para adequação do parque fabril à NR, na versão revisada de 2010”, afirmou

Essa, segundo ele, é uma visão cômoda. “Veja: entre 2011 e 2013, a indústria respondeu por 461.177 acidentes típicos (afora os de trajeto e as doenças), no total de 1.284.694; logo, praticamente um terço. Não bastasse, segundo compilação do próprio Conselho Superior da Justiça do Trabalho, nesse mesmo triênio, houve 221.843 acidentes diretamente ligados à operação de máquinas e equipamentos (logo, NR 12), resultando em mais de 600 mortes. Do total do triênio, 41.993 fraturas e 13.724 amputações. Esses dados – relativos a um curtíssimo interregno – revelam bem qual é o custo social do agudo perigo envolvido no setor –  isto, considerando-se termos anteriores da NR, agora revistos”, contou.

A NR 2 sendo revogada, na análise do magistrado, muitas práticas importantes desaparecerão. “Todo estabelecimento novo, antes de iniciar suas atividades, deveria solicitar aprovação de suas instalações à Superintendência regional do Trabalho. Emitia-se o CAI – certificado de aprovação de instalações. Era um protocolo de segurança para os trabalhadores. Agora, aparentemente acabou”, afirma Feliciano .

“Infelizmente, diante dos lamentáveis fatos apresentados ao longo dos últimos anos, através de um estudo sério e comprometido, que resolvemos abraçar, chegamos à conclusão de que é impossível conceber conceitos retrógrados, que na realidade, quando deveriam garantir o cumprimento dos preceitos básicos de Segurança e Saúde do Trabalho nas organizações, simplesmente nos arrastam para o início de uma era de incertezas e de possíveis agravamentos nos índices de acidentes, doenças ocupacionais, e mais mortes, acometendo nossos trabalhadores”, afirma,  Sandro de Menezes Azevedo, Presidente da ASPROTEST- Associação Sergipana dos Profissionais e Técnicos de Segurança do Trabalho, Segundo Secretário Geral da FENATEST, Diretor de Comunicação Integrada da ABRATEST, idealizador, incentivador e multiplicador da cultura prevencionista através do portal Safenation Brasil.

Referências

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