Quarentena não impede atuação dos trabalhadores dos serviços essenciais, mas impõe condições
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2020-03-28T16:01:28-03:00
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O Ministério Público do Trabalho (MPT), já contabiliza cerca de 500 denúncias contra empresas que estão expondo funcionários ao risco de contaminação pelo coronavírus no estado de São Paulo. Divulgada na última quinta-feira (26), as denúncias de violações de direitos dos trabalhadores durante as recomendações de isolamento foram todas registradas entre os dias 1º e 24, e serão apuradas em inquérito aberto pelo órgão.

Entre as práticas de irregularidade, serão investigados os estabelecimentos que têm desrespeitado as recomendações e ordens de fechamento em função da pandemia. Há ainda queixas de empresas onde faltam insumos e equipamentos de proteção. Ou as que têm coagido para antecipação de férias, impedido realização do trabalho em horários alternativos ou à distância, no chamado home office. Há, também, falta de informações sobre casos de contaminação na empresa.

Pelo menos, desde o dia 22/03, quando o governador paulista João Doria (PSDB) decretou quarentena, a atividade laboral foi restrita a áreas consideradas essenciais, como saúde, segurança, abastecimento e alimentação em todo o estado. Portarias semelhantes foram regulamentadas em diversos municípios. Ainda assim, situações de violação e exposição impositiva ao risco de contágio têm sido denunciadas por trabalhadores, como mostra o perfil do Instagram Corona Capitalismo.

Descrita como uma iniciativa da sociedade civil “para defender da crueldade e ganância das grandes empresas que colocam o lucro acima da vida”, a página também está no Facebook e Twitter. E divulga em seu “muro da vergonha” esse tipo de companhia, com o intuito de constranger e pressioná-las para que revejam suas práticas.

Direito à proteção

Pelas redes, há ainda outras iniciativas por meio das quais funcionários protestam cobrando proteção dos grupos empresariais. Entidades consultadas pela RBA, no entanto, alertam para a necessidade de essas denúncias serem formalizadas junto às plataformas oficiais. O MPT, por exemplo, tem canais online e telefônicos para receber denúncias de violações de direitos dos trabalhadores.

As denúncias dão conta ainda de um universo de grandes redes, por exemplo, do ramo da alimentação, como bares, restaurantes e padarias.

O decreto estadual preconiza o funcionamento parcial desses estabelecimentos, mas isso não retira os direitos trabalhistas dos funcionários desse, e de outros ramos, que também precisam continuar trabalhando no caso de não estarem no grupo de risco da covid-19.

O Sinthoresp (Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Apart Hotéis, Motéis, Flats, Pensões, Hospedarias, Pousadas, Restaurantes, Churrascarias, Cantinas, Pizzarias, Bares, Lanchonetes, Sorveterias, Confeitarias, Docerias, Buffets, Fast-Foods e assemelhados de São Paulo), destaca que, do ponto de vista do direito do trabalho, é obrigação do empregador de qualquer setor, garantir todas as formas de proteção individual, que hoje, por conta do coronavírus,  incluem uma atenção especial para álcool gel, máscara, luvas e distanciamento social.

A entidade se preocupa, ainda, com a permissão para bares, restaurantes e padarias atuarem de forma parcial, com os estabelecimentos fechados e sem atendido presencial no local, sob utilização dos serviços de entrega e drive-thru.

“No drive-thru há um momento em que ele (cliente), vai deparar com o trabalhador, que é na hora de pagar. Isso nos preocupa. A questão hoje é do ponto de vista da saúde mesmo, esses trabalhadores e os motoboys não são imunes”, ressalta o advogado do Sinthoresp, Allan de Carvalho.

Sem risco ao trabalhador

A Procuradoria do Trabalho chegou inclusive a publicar nota técnica e recomendação às empresas de transporte de passageiro e de mercadorias por plataformas digitais. O alerta é para a necessidade de divulgar informações e orientações a respeito das medidas de controle do coronavírus, o fornecimento de insumos para a proteção em pontos designados, espaços para higienização dos veículos, entre outras medidas.

No caso dos direitos dos trabalhadores do setor de alimentação, o Sinthoresp destaca a convenção coletiva, acordada no último dia 19, ou seja, antes da Medida Provisória (MP) 927 –, para manutenção dos empregos durante o período de calamidade, prevendo a possibilidade de concessão de férias e redução proporcional da jornada e do salário. “Hoje o primordial para a gente é tentar manter emprego, mas isso não pode ser à custa do sangue, da saúde, da vida das pessoas. Então, a partir do momento que a gente faz essas sugestões, a gente ganha um tempo”, explica o advogado.

Já no ramo do comércio, que engloba desde supermercados, petshops a lojas de conveniência, o Sindicato dos Comerciários de São Paulo mantém acordo coletivo fechado para garantir salários e empregos, mas destaca que deve ser assegurada proteção aos empregados.

“A questão da segurança e prevenção, máscara, álcool gel, luvas, isso é uma questão que cabe a cada estabelecimento tomar essa garantia. Amanhã ou depois se o funcionário que está lá dentro for contaminado, terá de responsabilizar o estabelecimento. No trabalho tem de haver uma proteção em todos os sentidos”, ressalta o sindicato.

Carvalho ainda acrescenta que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que o empregador deve assumir o risco da atividade por ter o lucro. “Então o empregado não pode dividir o risco do empreendimento”, reforça o advogado.

Respeito à vida

Direitos de trabalhadores domésticos, aprendizes e estagiários, profissionais do setor de petróleo e gás e do setor portuário também são contemplados pelas notas técnicas e recomendações do Ministério Público do Trabalho.

O órgão também traz medidas aos setores econômicos com atividades de risco muito alto, alto e mediado de exposição do vírus, e recomenda a flexibilização de jornada sem redução salarial para que os trabalhadores atendam familiares doentes ou em situação de vulnerabilidade à infecção.

O MPT também orienta que as empresas aceitem autodeclaração de trabalhadores com sintomas da covid-19, como justificativa para ausência ao local de trabalho.

“A busca do lucro das empresas tem que respeitar uma questão maior, que é a vida”, destaca o Sinthoresp.