No recurso analisado na 2ª Turma do TRT de Minas, a empregadora de um trabalhador morto, aos 29 anos, após cair de um andaime em uma obra, defendeu a tese de que a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017) teria excluído da Justiça do Trabalho a possibilidade de apreciação de danos contra terceiros e que caberia à Justiça Comum examinar a ação ajuizada pelos pais do empregado falecido, pleiteando reparação por danos morais. No caso, o patrão se refere ao dano reflexo ou em ricochete, que é aquele que ultrapassa a esfera da vítima direta do ato lesivo, atingindo reflexamente outras pessoas ligadas a ela.
No entanto, o relator do caso, desembargador Lucas Vanucci Lins, rejeitou os argumentos. Ao proferir decisão, registrou que o Supremo Tribunal Federal, no Conflito de Competência 7.204/MG, concluiu pela natureza trabalhista da indenização decorrente do acidente de trabalho, corroborando o entendimento de que a prescrição a ser aplicada é a trabalhista, a partir da Emenda Constitucional 45/2004. Nesse contexto, pontuou que o julgamento dos pedidos com base no dano em ricochete está em sintonia com a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho desenhada na Constituição da República a partir da EC 45/04.
Quanto ao tema, lembrou que a Lei nº 13.467/17 acrescentou à CLT o artigo 223-B, segundo o qual “causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação”. No entendimento do relator, o dispositivo deve ser interpretado em consonância com o disposto no artigo 12, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece a legitimação do cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau, para o fim de exigir a cessação de ameaça ou lesão a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos no caso de se tratar de pessoa já falecida.
Portanto, para o desembargador, mesmo com a superveniência da lei reformista, a Justiça do Trabalho continua sendo competente para apreciar os pleitos envolvendo o chamado dano em ricochete. “Está a se tratar de dano à personalidade, cujo direito à reparação contempla não só o seu titular, mas também parentes em linha reta”, destacou.
Valor da indenização – O juízo da Vara do Trabalho de Ponte Nova concedeu indenização por danos morais de R$ 23.850,00 para o pai e de R$ 23.850,00 para a mãe do trabalhador falecido. Inconformado, o ex-empregador recorreu pedindo a reforma da decisão, afirmando que o cálculo é abusivo e desproporcional. Um dos argumentos apresentados pelo patrão foi o de que a reforma trabalhista teria limitado a condenação a 50 vezes o salário da vítima. Assim, pediu a redução da indenização em 50%.
Mais uma vez, o desembargador rejeitou a pretensão. Em seu voto, ponderou, inclusive, ser óbvio que a quantia não é suficiente para reparar a dor suportada pelos pais. O magistrado rechaçou a tese de culpa concorrente ou de culpa exclusiva da vítima, observando que o trabalhador só caiu do andaime porque não usava o cinto de segurança. Para o julgador, isso demonstra que o empregador teve culpa no ocorrido.
“Cabe à empresa a fiscalização quanto ao uso dos EPIs, sobretudo porque o trabalho estava sendo feito a mais de 15 metros de altura, o que exige o reforço da segurança, pois maximizado o risco. A ausência de fiscalização é conduta culposa do empregador, responsável pela reparação dos danos decorrentes do sinistro”, registrou.
Na decisão, chamou a atenção também para o fato de que as pessoas ouvidas no inquérito policial não souberam dizer como o acidente ocorreu, nem mesmo a vítima sobrevivente. O que se sabe é que houve um grave acidente que vitimou dois empregados e feriu outro. Na ocasião, todos disseram tratar-se de uma “fatalidade”, uma vez que as vítimas eram experientes na execução de obras e tinham equipamentos de segurança à disposição.
Entretanto, na visão do desembargador, a experiência profissional não é suficiente para evitar acidentes e o termo “fatalidade” não pode ser empregado como se não houvesse qualquer fator humano envolvido na sua ocorrência. O magistrado discordou da conclusão do inquérito policial segundo o qual a empresa cumpria as normas de segurança do trabalho e exigia o uso dos EPIs. Em sua avaliação, a hipótese de acidente por culpa exclusiva das vítimas não foi demonstrada.
Para o relator, as circunstâncias do sinistro deixaram evidente que o cinto de segurança não estava sendo utilizado. Tanto que os trabalhadores caíram do andaime, o que teria sido evitado se o equipamento estivesse sendo usado. A decisão considerou que a empresa falhou ao permitir o trabalho em altura, num andaime precariamente construído, sem o uso de EPI. Pontuou que eventual recusa do trabalhador quanto ao uso do EPI não faz com que a responsabilidade pelo acidente seja exclusivamente dele, porque, além de fornecer, cabe ao empregador fiscalizar o seu uso.
“O sinistro ocorreu por negligência da empresa, única responsável pelo rompimento do andaime em que trabalhava o filho dos autores e pela ausência de fiscalização na utilização de equipamento de segurança obrigatório”, reforçou o relator, ao reconhecer a culpa da empresa pelo acidente que vitimou o filho dos autores.
Por fim, observou que o valor fixado não ultrapassa o limite objetivo definido no artigo 223-G, parágrafo 1º, inciso IV, da CLT, lembrando que a indenização precisa cumprir a função pedagógica da pena, não equivalendo a enriquecimento sem causa dos autores, mas em legítima compensação pelos danos sofridos.
Com esses fundamentos, os julgadores em colegiado negaram provimento ao recurso interposto pelo empregador e confirmaram a decisão que o condenou a responder pelos danos causados aos pais da vítima.
Fonte: TRT-MG