A saúde e a segurança do trabalhador nunca estiveram tão em pauta. A legislação nacional, bem como as convenções e tratados internacionais, não acompanham as necessidades atuais dos trabalhadores no tocante à questão da saúde, da segurança, do meio ambiente do trabalho e da sua dignidade.
As políticas públicas de prevenção a acidentes e a fiscalização, não são compatíveis com o novo sistema em que o mercado, e os ganhos econômicos, estão em primeiro lugar para os empresários. Estes não possuem mais a mesma preocupação em relação aos seus obreiros, e não são capazes de vê-los como os responsáveis pelo seu sucesso; querem apenas lucro e mais lucro.
No contexto atual, a promoção da saúde como um todo é precária e alarmante. A Previdência Social não possui mais estrutura e capital para atender a todos os segurados, e os casos de acidentes e doenças laborais só crescem. Além disso, o poder sindical, uma das poucas esperanças dos trabalhadores, não possui mais imponência, e a força produtiva do país está entregue.
Defende-se a utilização de equipamentos de proteção individual, em detrimento dos que poderiam significar a proteção coletiva; normatizam-se formas de trabalhar, consideradas seguras, o que, em determinadas circunstâncias, supõe apenas um quadro de prevenção simbólica. Assumida essa perspectiva, são imputados aos trabalhadores, os ônus por acidentes e doenças, concebidos como decorrentes da ignorância e da negligência, caracterizando uma dupla penalização.
Por outro lado, a essa forma inconsequente de lidar com a saúde e a vida, une-se a resistência dos indivíduos em aceitarem a condição de doentes. O medo de perder o emprego, garantia imediata de sobrevivência, aliado aos mais variados constrangimentos que marcam a trajetória do trabalhador doente, “afastado” do trabalho, mascara, em muitos casos, a percepção dos indícios de comprometimento da saúde, ou desloca-os para outras esferas da vida, inibindo ou protelando, frequentemente, ações mais incisivas de reivindicação às instâncias responsáveis pela garantia da saúde no trabalho.
Exagero? Definitivamente não. É nesse cenário que se encontram os trabalhadores brasileiros. As leis do país são, sim, muitas e altamente protetivas, no papel. No entanto, o que se vê na prática, é um Estado deficiente, tanto na promoção da saúde do trabalhador, como na prevenção, fiscalização e reparação destes danos.
A todo o momento, vemos trabalhadores tendo seus direitos lesados, e nunca houve tantos acidentes e doenças do trabalho como hoje. Nos últimos vinte anos, considerando-se apenas os casos ocorridos no Brasil, com trabalhadores segurados pela Previdência Social, houve mais de meio milhão de mortes ou incapacidades permanentes para o trabalho. No total, considerando-se os acidentes de trabalho, oficialmente notificados (com a emissão da CAT), sem considerar os trabalhadores acidentados, que não são contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho, e apesar de conhecida subnotificação dos acidentes, nos últimos 20 anos, ocorreram em torno de trinta milhões de eventos.
Ora, nunca o trabalhador esteve tão desprotegido. Frise-se que grande parte da culpa deverá recair sobre os empregadores, pois são nestes meios que o trabalhador é visto apenas como objeto de produção. A necessidade de avançar para almejar conquistas cada vez mais lucrativas, acaba “vendando” os olhos do empregador, no que concerne ao carro chefe do seu sucesso: o empregado. O crescimento desenfreado da economia, gera uma concentração de esforços do empresário, apenas no trabalho do obreiro, e em sua produção, tornando os empreendedores omissos no que se refere às medidas preventivas de acidentes e de doenças laborais.
Outro entrave reside no fato de a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ser de responsabilidade dos empregadores. Como sabemos, muitas empresas ainda resistem em atender à legislação e emitir este comunicado e, muitas vezes, só o fazem quando os agravos à saúde já são irreparáveis, o trabalhador já é considerado incapaz para o trabalho, e insuscetível de reabilitação para o exercício de qualquer atividade.
A preferência dos empregadores por não lançar a CAT, acaba por prejudicar os trabalhadores como um todo, eis que os dados do INSS sobre acidentes de trabalho, passam a serem desatualizados e precários de informações, e, quando se omite a ocorrência de uma doença laboral, não há como o Estado interferir na questão preventiva específica. Ademais, o sistema público de saúde (SUS) é falido, e a previdência está abarrotada de beneficiários, esvaziando seus cofres. Sendo assim, os trabalhadores tornam-se reféns, pois concentram todos os seus esforços, no sentido do ganho econômico e se sujeitam às condições insalubres sem questionar, em troca dos adicionais devidos. Deste modo, observa-se que quem assume a conta e os riscos, são aqueles que deveriam estar plenamente protegidos.
Com efeito, o Estado não tem se atentado, que a grande problemática da relação trabalho-saúde, está sob o seu poder. O modelo de prevenção concentra-se no trabalhador, como o “objeto das ações de saúde”, quando o entrave está numa questão muito mais abrangente e geral: a saúde como um todo. Quando as políticas públicas voltadas à promoção da saúde não estão em ordem, não há como existirem ações específicas eficazes.
Um outro problema, neste mesmo sentido, se encontra na desorganização dos entes fiscalizadores. Como é comum em nosso país, a delegação de funções e a quantidade de organismos é imensa, o que torna a fiscalização praticamente sem efeito.
Alguns órgãos atuam na prevenção, outros nas consequências e outros ainda na reparação, mas ninguém tem visão nítida do conjunto. O fracionamento dessas competências faz com que o grande problema da saúde do trabalhador, seja transformado numa questão menor, diluída no quadro de atribuições de cada um desses órgãos. Nesse passo, fica compreensível porque é tão difícil diagnosticar e tratar uma doença do trabalho: a passagem por processos produtivos diversos, podem mascarar os nexos causais e diluir a possibilidade de estabelecê-los.
A sugestão factível, é a criação de um “Sistema Integral de Saúde do Trabalhador”, configurado em rede e subordinado ao setor de saúde, mas que passe, necessariamente, pelas instâncias do Estado e da sociedade. Ora, o que os eminentes doutores da prevenção sugerem, além de um órgão ou um ministério centralizado e específico, é uma maior participação da sociedade, do Estado, dos entes sindicais, dos setores com responsabilidade no campo ambiental, para que se reordene a produção de conhecimentos nos campos pragmáticos da saúde do trabalhador.
Políticas como essa permitirão que o obreiro se sinta valorizado, seguro, abraçado pela lei e pelas ações de governo nesse sentido. Outro modo de elevar a estima do empregado, e forçar o cumprimento das ações preventivas pelo empregador, é a criação de um certificado de qualidade de vida no trabalho, como sugerem muitos especialistas. Para terem direito ao certificado, os empreendedores deveriam cumprir determinadas metas, dentre elas possuírem um sistema de controle de riscos para os trabalhadores. Assim, receberiam incentivos fiscais, o que engrandeceria ainda mais os cuidados a serem tomados.
Voltando-se a atenção governamental para a questão do meio ambiente do trabalho, muito mais protegidos estarão os trabalhadores, pois, em tese, as forças estarão direcionadas para a prevenção, tornando digno e adequado o local de labor, reduzindo, assim, a probabilidade de ocorrências de doenças ou acidentes de trabalho.
“O meio ambiente de trabalho é o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio, e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentam (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc). O meio ambiente de trabalho adequado e seguro, é um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, o qual, se desrespeitado, provoca agressão a toda a sociedade, que, no final das contas, é quem custeia a Previdência Social”.
O direito a um meio ambiente seguro é cláusula intrínseca ao contrato de trabalho, não necessitando ser expressa, pois é condição inerente à atividade e, inclusive, propiciadora de melhor aproveitamento do trabalhador na própria produção, beneficiando até mesmo seu empregador. Portanto, permitir ou forçar o obreiro a trabalhar em ambiente inadequado, é uma afronta aos mais básicos princípios inerentes à raça humana: atinge de forma visceral o plano da dignidade e da honra do trabalhador, expondo-os aos meios que poderão torná-lo provisoriamente doente, incapaz ou até mesmo, em casos extremos, tirando-lhes a vida.
A terceirização de mão de obra e as doenças do trabalho
A terceirização de mão de obra, é um dos institutos mais polêmicos nos dias atuais. O que deveria ser a exceção virou a regra. O processo de globalização dos mercados com a exigência de novos programas de gestão da produção, de reorganização do trabalho, e de inovação tecnológica, obrigou as empresas no país a se reciclarem para enfrentar a concorrência. Deste modo, a necessidade de cortes de gastos e, consequentemente, aumento de lucratividade, amparou o surgimento de um instituto antes rechaçado, que encontrou brechas na lei, e se instalou de forma perigosa no Brasil.
No nosso entender, reside aí a grande questão: não havendo vínculo, abrem-se portas para que hajam mais e mais contratações de empregados terceirizados, deixando-os mais expostos aos riscos, com mais dificuldades de garantirem seus direitos trabalhistas, e sendo os mesmos “lançados” de uma empresa para outra, num modelo em que nenhuma das duas (contratante e contratada), querem assumir os riscos e as responsabilidades em casos de ocorrências de eventuais acidentes.
Há de se convir, que normalmente as empresas subcontratadas, por prestarem serviços específicos, são economicamente menores do que as empresas contratantes, pagam salários mais baixos e seus trabalhadores ficam expostos a mais riscos, vez que são obrigados a trabalhar no ambiente de trabalho da empresa contratante, o que, em tese, é totalmente desconhecido para eles. Não obstante, empregados de empresas interpostas, por serem mal pagos, moram mal, comem mal e, por isso, estão mais suscetíveis a doenças. O que se busca com a terceirização, além das reduções de custos, é a transferência de responsabilidades por eventuais danos sofridos pelo trabalhador, à empresa contratada.
Portanto, há de se alertar para essa situação, pois é grave. A necessidade de legislação com maior poder de abraçar e proteger o trabalhador terceirizado é urgente, pois os mesmos estão sendo lesados pela irresponsabilidades das empresas contratantes e contratadas. A Justiça do Trabalho está inundada de processos envolvendo terceirizações, muitas delas ilegais, em que as empresas pretendem se esquivar de suas responsabilidades, na promoção da segurança, de condições dignas de trabalho, e de um salário justo. As empresas contratantes alegam não ser delas o empregado acidentado, enquanto as empresas contratadas, defendem a tese de que o ambiente de trabalho alheio não é de responsabilidade delas.
A exposição do trabalhador rural à agentes danosos
Muitos são os efeitos de agentes físicos, químicos e biológicos, especificamente no corpo e na vida dos trabalhadores rurais. Por outro lado, devemos considerar à vulnerabilidade destes trabalhadores, e a problemática do tema, principalmente no tocante à utilização de agrotóxicos em nosso país.
As alterações tecnológicas, e a mecanização da agricultura, deram seu início na década de trinta, com a conseqüente substituição da mão-de-obra humana pelas máquinas, principal motivo do êxodo rural. A partir da segunda guerra mundial, os agrotóxicos e agroquímicos, tiveram seu aparecimento, dando início à tecnologia que hoje conhecemos com a difusão dos chamados alimentos transgênicos.
O que ocorre no presente, é que os produtores não são mais como antes. O setor de alimentos no país vem crescendo de forma descomunal, clamando pela necessidade de transformação do que antes era uma pequena propriedade rural, de economia familiar, em indústrias multinacionais dos alimentos, das matérias primas de vestuários, da madeira para construção, e de tudo o que possa ter sua fonte primária produzida em meio à natureza.
Todo esse processo constitui o arcabouço da chamada modernização agrícola, que, se por um lado tem gerado aumento da produtividade, por outro tem provocado exclusão social, migração rural, desemprego, concentração de renda, empobrecimento da população rural, e danos à saúde e ao meio ambiente, como desmatamento indiscriminado, manejo incorreto do solo, impactos do uso de agrotóxicos, contaminação dos recursos hídricos, etc.
Tendo essa concepção como base, é admissível que se relacione os principais riscos e danos que acometem os agricultores:
a) Acidentes com ferramentas manuais, com máquinas ou implementos agrícolas;
b) Acidentes com animais peçonhentos;
c) Exposições a radiações solares por longos períodos;
d) Ruídos e vibrações presentes em equipamentos como motosserras, colheitadeiras e tratores;
e) Exposição à partículas de grãos, ácaros e pólen;
f) Exposição a fertilizantes e agrotóxicos.
Ora, havemos de tirar uma conclusão sobre o que acabamos de citar. Ao contrário do que ocorre com trabalhadores comuns (de áreas urbanas), que, em casos de exposição à agentes insalubres, ficam vulneráveis apenas a um ou outro malefício (por exemplo: o gari que tem como risco o mau cheiro e o triturador do caminhão; ou o agente comunitário de saúde, que fica exposto somente ao sol e às endemias), o trabalhador rural, em sua maioria, permanece indefeso diante de todos, ou quase todos os riscos citados nas linhas acima. Ou seja, serão estes trabalhadores sempre expostos ao sol, a animais, ao maquinário e, dependendo do tamanho da propriedade e o objeto de sua produção, ao pior de todos os agentes causadores de doenças: o agrotóxico.
Além da exposição ocupacional, a contaminação alimentar e ambiental, coloca em risco outros grupos populacionais. Merecem destaque as famílias dos agricultores, a população circunvizinha a uma unidade produtiva, e a população em geral, que se alimenta do que é produzido no campo. O empresário rural, revela-se um tanto promissor, porém não podemos afirmar o mesmo em relação aos seus trabalhadores. Estes últimos estão cercados de potenciais agentes agressores durante todo o período de trabalho. Infelizmente em nosso país, a saúde e a segurança do trabalho ainda não tem uma implementação e uma atuação eficaz em zonas distanciadas.
Devemos observar que o amparo ao trabalhador, exige muito mais que uma série de leis específicas ou a criação de inúmeros órgãos governamentais de fiscalização. Necessita-se de empenho, dedicação exclusiva para que se tenha eficácia.
Não é razoável que se proteja o trabalhador brasileiro apenas com uma caneta e um papel. São necessários projetos, discussões e audiência públicas, porque o problema que estamos enfatizando, é de ordem social, e não uma questão particular de cada empregado. Ações como essa, atingem o âmago da sociedade como um todo, afinal, segurança do trabalho está na legislação e na doutrina. como direito de primeira grandeza, portanto deverá ser oferecido pelo Estado de forma contínua e rígida.
Deverão ser os empregadores e empresários punidos, em caso de descumprimento, desleixo e negligência. É necessário mais vigor, mais empenho, mais planejamento, afinal, estamos discutindo, não somente sobre direitos trabalhistas, mas sobre a proteção da vida, da integridade, da dignidade, da honra. A situação, infelizmente, é muito mais abrangente e muito mais grave e urgente do que imaginamos.