A Indústria 4.0 se apresenta como um conjunto de alterações nos modos de produção e de celebração de negócios. Chamada de Quarta Revolução Industrial, a mudança na estrutura produtiva utiliza a inteligência artificial, digitalização de processos industriais, robótica e informatização no ambiente de produção, com o intuito final de alçar ganhos em produtividade e eficácia.
Sob perspectiva puramente objetiva, a incorporação de novas tecnologias ao ambiente produtivo lhe confere ganhos como flexibilidade, rapidez na entrega do produto final, padronização de procedimentos e mais segurança nos processos.
Ocorre que, a despeito dos eventuais benefícios conquistados com a “indústria inteligente”, certo é que seus impactos se projetam para além da cadeia produtiva, trazendo assim uma mudança de cenário envolvendo os governos, a política, o consumo, as pessoas e o modo como se relacionam.
Nesses termos, ao se concretizar a alteração dos paradigmas impostos pelas novas formas de produção, com a passagem do trabalho concreto para o trabalho abstrato, também é necessária a avaliação das implicações das novas tecnologias para o trabalho e para o trabalhador.
Estudos demonstram que o aumento do desemprego tecnológico (com criação de postos de trabalho mais complexos e qualificados), a necessidade de desenvolvimento de novas competências e habilidades, a maior interação entre o homem e a máquina, e a transformação das relações socioprofissionais, são quatro dos maiores impactos da Indústria 4.0 nas relações de trabalho. Mas e o que dizer acerca da saúde e segurança desse trabalhador? Como garantir que o redesenho do cenário produtivo não seja equivalente à precarização da segurança laboral e de garantias sociais?
Atualmente, saúde e proteção do trabalhador tem amparo constitucional, sendo direito fundamental estabelecido no artigo 7°, inciso XXII, da Constituição, que garante ser direito de trabalhadores urbanos e rurais a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
Por sua vez, a segurança e a medicina do trabalho, estão disciplinadas nos artigos 154 a 201 da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo certo que seu artigo 200 transfere ao extinto Ministério do Trabalho, a obrigação de “estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho".
Assim, exercendo uma de suas atribuições, desde 1978, com a edição da Portaria no 3.214/1978, o Ministério do Trabalho editava Normas Regulamentadoras responsáveis por traçar requisitos e procedimentos de segurança e medicina do trabalho, de cumprimento obrigatório pelos empregadores. Em sintonia com a Convenção nº 144 da Organização Internacional do Trabalho, as referidas normas foram elaboradas e são revisadas pela Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), hoje ligada à Secretaria de Trabalho e Previdência do Ministério da Economia, a partir de um colegiado que conta com a participação de representantes do governo, dos trabalhadores e dos empregadores.
Tais normas, que são convergentes com as convenções e recomendações da OIT, apesar de fundamentais para a regulação da saúde no ambiente de trabalho, enfrentam alterações relevantes, na medida em que passam por um processo importante de esvaziamento.
Como exemplo do referido desmonte, tem-se a alteração de todo o processo ligado às Normas Regulamentadoras, com o enfraquecimento da fiscalização, a desregulamentação, consubstanciada na extinção do Ministério do Trabalho, e a já diminuição na quantidade de normas em favor da suposta desburocratização do ambiente normativo laboral.
Com efeito, diante dos novos paradigmas trazidos a partir da Indústria 4.0, em vez de haver um incremento da legislação protetora do meio ambiente do trabalho, na verdade, o que se verifica é a sua desconstrução.
Nesses termos, discursos que elevam uma suposta desburocratização do Estado, por meio da desregulamentação e flexibilização de normas vigentes, devem ser observados com atenção, especialmente diante dos graves números que colocam o Brasil em quarto lugar no ranking mundial de maior ocorrência de acidentes de trabalho, denotando assim, a urgência no que se refere à criação e melhoria de políticas públicas relacionadas à segurança laboral.
Por: Sarah Cecília Raulino Coly
Especialista em Direito do Trabalho e Direito Coletivo do Trabalho