Carga de Trabalho e a sua Relação com a Saúde do Trabalhador
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2020-08-09T13:08:26-03:00
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O estudo da atividade do trabalho, meio da realização teórica e metodológica da Ergonomia como ciência e tecnologia, abrange o processo de realização humana no trabalho, tendo em vista as condições de trabalho, os meios de produção e os resultados derivados. Uma situação de trabalho significa um conjunto complexo que inclui as condições físicas, químicas e biológicas do ambiente de trabalho; os aspectos técnicos; a organização prescrita e a organização real das atividades de trabalho, bem como a gestão das mesmas; a caracterização dos canais formais de comunicação e das relações interpessoais. Nesse sentido, um diagnóstico da situação, com base em recomendações ergonômicas, deve refletir a necessidade de aperfeiçoar o processo de conhecimento e de mudanças na organização do trabalho, visando promover o conforto, o comportamento seguro e a saúde do trabalhador.

O termo carga de trabalho é uma construção teórica resultante da necessidade de compreender que, para uma determinada situação de trabalho, há uma tensão permanente entre as exigências do processo e as capacidades biológicas e psicológicas dos trabalhadores para respondê-las.

O conceito de carga de trabalho é uma evolução de dois outros termos: "fatores nocivos" e "fatores de risco", utilizados para designar os riscos ocupacionais aos quais estão expostos os trabalhadores, capazes de produzir complicações à saúde, tendo em vista a organização e os processos de trabalho. Nesse sentido, investigar a carga implica considerar três dimensões que constituem, simultaneamente, uma unidade tríplice de análise: as ações do trabalhador, o contexto em que elas ocorrem e as consequências geradas por essas ações.

Nesse aspecto, o estudo da carga é uma necessidade instrumental dos analistas do trabalho na intervenção de situações que promovam a saúde e o bem-estar do trabalhador. Linhas científicas defendem que a investigação dessa carga auxilia o ergonomista a chegar a conclusões rápidas e precisas, acerca dos problemas ergonômicos. O estudo das dimensões físicas e psicológicas da carga de trabalho, é uma condição importante para a compreensão do processo de adoecimento do trabalhador. Métodos de mensuração são necessários para determinar-se uma taxa ideal da carga de trabalho, de modo que se possa prevenir o surgimento da fadiga, a diminuição do desempenho, o aumento do risco de acidentes, e erros com consequências graves para a saúde do trabalhador.

Assim, analisar as ações do trabalhador, significa investigar quais são as exigências explicitas e implícitas do trabalho, que repercutem no seu desempenho. Analisar as consequências provenientes de suas ações e das relações interpessoais presentes no ambiente de trabalho, pode auxiliar na compreensão do surgimento e na manutenção de seu sofrimento ou adoecimento, principalmente quando sob controle coercitivo (ex. sanções, punições, precárias condições físicas do ambiente e da organização do trabalho). Por outro lado, analisar as consequências presentes em situações adequadas de trabalho (ex. incentivo para qualificação, incentivo financeiro, reconhecimento, relações interpessoais saudáveis, com diálogo e respeito mútuo), auxilia na compreensão dos processos que promovem a saúde e o bem-estar do trabalhador. Conhecer as consequências fruto de tensões geradas pela situação de trabalho, auxilia no entendimento das reações negativas (ex. sofrimento, adoecimento e absentismo), assim como conhecer as reações positivas (ex. percepção de bem-estar e satisfação do trabalhador), oriundas de adequadas situações e organização de trabalho.

Desse modo, a atenção deve ser dirigida para as características da organização de trabalho (em turnos alternados, ritmo de produção, jornada, desenho do posto), e das condições físicas (ruído, calor, poeira, vibrações, gases, radiações, ventilação, luminosidade no local de trabalho), e psicossociais do ambiente (modos de interação com a chefia imediata e os colegas de trabalho) que, no conjunto, podem favorecer ou limitar o processo de saúde.

As cargas de trabalho vivenciadas pelo trabalhador sofrem interferência da dinâmica do trabalho, e seu equilíbrio é obtido pela compatibilidade entre as exigências implícitas e explícitas na tarefa, e pelas capacidades do indivíduo de realizá-la. Assim, pode-se pensar que o equilíbrio da carga de trabalho é fruto de uma tensão (avaliação subjetiva), suportável ou administrável pelo trabalhador, diante das exigências do trabalho, denominada regulação, isto é, os diferentes módulos operacionais demonstrados pelo trabalhador, em termos de flexibilização, modificação, manutenção ou transformação das condições de trabalho, para reduzir as consequências negativas presentes na situação.

Existem alguns indicadores internos e externos que possibilitam inferir características da carga a que o trabalhador está submetido. Os indicadores externos permitem obter informações sobre a carga por meio da observação direta da própria atividade, pois é esta a maneira pela qual o trabalhador executa o seu trabalho. Por outro lado, existem fatores internos (subjetivos ou privados), que possibilitam inferir qual é a percepção do trabalhador sobre a carga vivenciada. Nesse caso, a investigação é indireta, geralmente obtida por meio de medidas psicológicas que avaliam a percepção do trabalhador referente à carga de trabalho. Em suma, as medidas subjetivas (métodos e técnicas da psicologia), permitem a mensuração indireta de ações humanas que ocorrem no trabalho, e o desempenho do trabalhador pode ser mensurado pelo ergonomista ou psicólogo, por meio da observação direta da tarefa (conjunto de prescrições sobre ela deve ser realizada: metas, objetivos, instruções e procedimentos) e da atividade (conjunto de ações diretamente observáveis ou não, relacionadas com o desempenho do trabalhador).

Carga de Trabalho como uma Relação Funcional

Estudos com diferentes focos e métodos de avaliação da carga de trabalho, em geral, tentam localizá-la no trabalhador ou no seu trabalho. Provavelmente, essa tentativa ocorre devido à determinação mútua e recíproca existente entre as variáveis relacionadas com a situação de trabalho e as características (biológicas e psicológicas) do trabalhador. Porém, na linha de raciocínio que estamos focados, a carga é considerada uma relação funcional e, portanto, não pode ser localizada na situação de trabalho que envolve as condições e a organização do mesmo, e nem no organismo (trabalhador), mas sim na relação entre as exigências do trabalho e as capacidades biológicas e psicológicas demonstradas cm termos de competências e habilidades do trabalhador para realizá-lo.

Alguns questionamentos tornam-se importantes para entender como a carga é fruto de uma relação funcional. São eles: quais as características das atividades executadas pelo trabalhador? Como e de que forma ele executa essas atividades? Sob quais condições (físicas e psicológicas) o trabalho é desenvolvido? Quais são as consequências produzidas pela ação do trabalhador? Quais as expectativas geradas no trabalhador e as expectativas presentes no ambiente de trabalho? Quais os principais processos psicológicos básicos (memória, pensamento, linguagem, aprendizagem, motivação e emoção), que estão envolvidos diretamente nas exigências do trabalho? Respostas a essas questões, principalmente aquelas relacionadas aos aspectos subjetivos das ações humanas, são objetos de estudo da Psicologia do trabalho. Já as respostas relacionadas à situação de trabalho (condições e organização do trabalho) são objeto de estudo das demais ciências do trabalho. Além desses questionamentos, outros fatores (com determinação ou causação múltipla) influenciam o surgimento da carga de trabalho ou atuam sobre ela, tais como:

- O que o trabalhador faz e como faz? Há planejamento para o ensino de habilidades necessárias para a realização das tarefas? De que maneira as variáveis tempo e prazos são definidas no escopo do trabalho?

- O modo de execução das atividades gera que tipos de consequências no trabalhador e em sua situação de trabalho? Como e quem avalia o desempenho do trabalhador?

- Sob que condições de trabalho as atividades são realizadas? Qual é o tipo de organização de trabalho?

- As capacidades e habilidades necessárias para o desenvolvimento da tarefa prescrita são planejadas levando-se em consideração os processos de aprendizagem humana?

- Existe a preocupação em ensinar e não apenas em selecionar quem já sabe realizar as atividades de trabalho?

- Na prescrição da tarefa e no âmbito da atividade de trabalho, são consideradas as variáveis: idade, sexo, saúde, ser portador de deficiência, dados da história de vida, nível educacional e classe socioeconômica?

As expectativas e o tempo são fatores que se destacam na geração da carga de trabalho. O julgamento de terceiros, como, por exemplo, de chefes, colegas de trabalho, professores, ocupa papel de relevo na origem das expectativas, tanto de quem está submetido à avaliação, como de quem avalia. O tempo necessário para a execução ou finalização de uma tarefa, quando é considerado insuficiente, contribui para o surgimento de sobrecargas de trabalho.

O processo de ensino-aprendizagem, em especial a aprendizagem de novos comportamentos (conjunto de ações), é fundamental para a aquisição ou aperfeiçoamento das capacidades e habilidades do trabalhador. Se a carga é uma relação, então, investir na aprendizagem de comportamentos necessários para execução de atividades, torna-se fundamental, com repercussão direta sobre o modo de atuação do trabalhador diante das exigências do seu trabalho, contribuindo para ampliar as competências e habilidades do trabalhador sobre o equilíbrio da carga de trabalho.

Carga de Trabalho e Saúde do Trabalhador

A carga de trabalho tem papel de destaque na discussão sobre a saúde e a satisfação no trabalho, tendo em vista que a percepção de bem-estar ou a condição de adoecimento geralmente está associada às variações da carga resultantes de modificações das condições físicas e da organização, juntamente com investimento e aperfeiçoamento das competências e habilidades do trabalhador. É preciso investigar quais características da carga a que o trabalhador está submetido, podem facilitar na elaboração de diagnósticos e no planejamento de mudanças nas condições de trabalho, no sentido de promover a saúde e o bem-estar.

É possível fazer uma analogia entre o conceito de carga de trabalho definido e o funcionamento de uma balança em que as extremidades são representadas pelas exigências do trabalho, de um lado, e as capacidades biológicas e psicológicas do trabalhador, do outro. A carga de trabalho é o produto da tensão entre essas extremidades. Quando em desequilíbrio, interpreta-se sobrecarga ou subcarga no processo, com consequências sobre a saúde do trabalhador. A sobrecarga indica a superestimação, ou seja, as exigências estão além das capacidades do trabalhador em respondê-las eficazmente, ao passo que na subcarga, há subestimarão, ou seja, as exigências do trabalho estão aquém das capacidades do trabalhador. Manifestações de sobrecarga refletem fadiga, absenteísmo no trabalho, incidência de distúrbios músculo-esqueléticos, transtornos comportamentais e mentais, entre as mais recorrentes.

A Dimensão Mental da Carga de Trabalho 

Existe uma variedade de definições do conceito de carga de trabalho, que de modo geral aborda: a forma de atuação, os esforços físicos necessários para se executar o trabalho, a pressão temporal, a prescrição da tarefa, o desgaste do trabalhador, e os aspectos emocionais e afetivos vivenciados por ele. De forma didática, a carga de trabalho é frequentemente dividida em duas dimensões: mental e física. A dimensão mental refere-se aos aspectos subjetivos, tais como: sentimentos, afetos, emoções, motivação e cognições (ex. raciocínio, tomada de decisão, pensamento, memória, entre outros). A dimensão física está relacionada com posturas (permanecer sentado, em pé), gestos (movimento estático, dinâmico ou repetitivo) ,e deslocamento (andar, correr, dirigir, etc.).

As definições de carga de trabalho apresentadas, abanam uma combinação de componentes físicos (condições do ambiente), componentes psíquicos (afetivos e emocionais) e componentes cognitivos (atenção, memória, tomada de decisão, etc.).

As dimensões física e mental de carga de trabalho, porém subdivide esta última em cognitiva e psíquica. A carga psíquica pode ser definida em termos de níveis de conflito no interior da representação consciente, ou inconsciente das relações entre a pessoa (ego) e a situação (no caso, organização do trabalho). A sobrecarga de trabalho pode ser determinada por qualquer um dos três aspectos (físico, cognitivo e psíquico), uma vez que todos estão inter-relacionados.

O trabalho mental implica mecanismos mentais de decisão e tratamento da informação, em que são utilizadas estruturas superiores, como atenção, pensamento e memorização. Estudiosos propõem dois tipos de trabalho mental: os qualificados e os pouco qualificados. No primeiro, a sobrecarga aparece pelo uso excessivo de funções cognitivas e intelectuais. No segundo, a subcarga surge devido à utilização exagerada dos mecanismos sensório-motores, com pouco aproveitamento das estruturas superiores, acarretando diminuição das funções intelectuais, já que o tipo de trabalho executado implica pouco ou nenhum compromisso mental, tornando-se repetitivo e monótono. Na sobrecarga, porém, o trabalho mental torna-se absorvente, excedendo os limites toleráveis pelo trabalhador.

Dejours, renomado autor neste seguimento, ao escrever sobre a relação entre carga de trabalho e saúde do operador, não utiliza os termos sobrecarga ou subcarga como forma de indicar possíveis prejuízos à saúde do trabalhador, e sim sofrimento. Apesar de considerar as dimensões (física e mental) da carga de trabalho, propõe que a dimensão mental seja chamada de carga psíquica, uma vez que engloba aspectos afetivos, emocionais, tais como: prazer, satisfação, frustração e agressividade. Sua explicação, de base psicanalítica, está fundamentada na estruturação e no funcionamento do aparelho psíquico, com seus mecanismos de defesa (ex. repressão, canalização, racionalização e negação), na tentativa de elucidar o processo de adoecimento do trabalhador. Para ele, o funcionamento do aparelho psíquico estaria atuando na promoção da saúde quando o prazer do trabalhador resulta da descarga de energia psíquica que a tarefa autoriza, o que corresponde à diminuição da carga psíquica de trabalho; e o começo do processo de adoecimento ocorreria diante da incerteza de que o nível de insatisfação não pode mais diminuir.

Mensuração e Avaliação da Carga de Trabalho

Existem três grupos de medidas para mensurar e avaliar a carga de trabalho: medidas de execução (desempenho ou rendimento), medidas fisiológicas e medidas subjetivas. Elas podem ser globais, quando avaliam vários aspectos da carga de trabalho, e são denominadas de medidas multidimensionais; e unidimensionais quando avaliam apenas um aspecto da carga.

As técnicas e medidas avaliam tanto os aspectos de execução referentes à atividade de trabalho (dimensão física da carga), como os aspectos relacionados com a experiência subjetiva da carga de trabalho (dimensão mental, de natureza cognitiva ou psíquica).

Existem duas maneiras de acessar a carga de trabalho, conforme exposto anteriormente:

a) Observação direta de comportamentos relacionados com a execução do trabalho, que geralmente utiliza medidas baseadas no rendimento ou no desempenho do trabalhador;

b) Observação indireta, utilizando medidas subjetivas como relato verbal (oral ou escrito) da percepção do trabalhador e medidas fisiológicas. O registro das observações diretas ou indiretas, é fundamental para proceder às análises e interpretações dos dados referentes à carga de trabalho.

Cooper e Harper, foram os pioneiros na construção e utilização de escalas subjetivas para avaliação da carga de trabalho. Modificações dessas escalas originaram a Técnica de Avaliação Subjetiva de Carga de Trabalho (Subjective Workload Assessment Technique - SWAT) e o índice de Carga da Trabalho (Task Load Index - NASA-TLX), desenvolvido no laboratório da NASA, ambos exemplos de medidas multidimensionais. O SWAT contém três dimensões: de tempo, esforço físico e estresse. O NASA-TLX contém seis dimensões: exigência mental, exigência física, exigência temporal, nível do esforço, nível de realização e nível de frustração. Esses são os métodos mais utilizados para a avaliação da carga mental de trabalho. No Brasil, desenvolveu-se o Questionário de Avaliação de Carga Mental de Trabalho (Q-CMT), ainda não validado. Esse questionário contém seis dimensões da carga mental (sensório-atencional, perceptiva, de interação, temporal, cognitivo-racional e afetivo-emocional), avaliadas em 47 itens. O Q-CMT mostrou-se sensível às variações de carga mental de trabalho, apresentando as variáveis idade e tempo de função, como principais moduladores da carga mental. De fato, esses dois fatores desempenham papel de destaque na avaliação da dimensão mental da carga de trabalho.

Conclusão

Neste artigo, o conceito de carga de trabalho foi defendido como relação funcional entre as exigências do trabalho e as capacidades biológicas e psicológicas do trabalhador em respondê-las. Aperfeiçoar ou ampliar as competências e habilidades do trabalhador na avaliação das exigências explícitas e implícitas do trabalho, é uma forma de controlar os efeitos da sobrecarga e subcarga de trabalho, evitando-se possíveis agravos à saúde do trabalhador.

O reconhecimento da carga de trabalho como uma relação funcional, parece ser um caminho promissor para identificar constrangimentos físicos e psicológicos ao trabalhador, em função das características da situação de trabalho, que incluem fatores do ambiente físico (iluminação, ruído, temperatura), organizacionais (jornada de trabalho, desenho do posto, metas de produção, ritmo de trabalho), e psicossociais (interações profissionais, estilos gerenciais, processos de comunicação).

A possibilidade de mensurar e avaliar a carga de trabalho por meio de medidas subjetivas, permite aferir constrangimentos físicos e psicológicos, que podem estar associados ao processo de adoecimento do trabalhador, servindo, ao mesmo tempo, como diagnóstico e prognóstico da atividade de trabalho.

Por: Joselma Tavares Frutuoso, Roberto Moraes Cruz

Revista Brasileira de Medicina do Trabalho