Adoecimento Mental: Transtornos Relacionados ao Trabalho
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2020-07-23T08:33:09-03:00
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O mundo do trabalho sofreu profundas mudanças decorrentes da transição da economia baseada na comercialização de produtos manufaturados para a industrialização. Na era da globalização, a fragmentação das atividades laborais, aliada à competitividade no mercado de trabalho e o medo do desemprego, induz o trabalhador a submeter-se a péssimas condições laborais, baixos salários, assédio moral e sexual, discriminação, carga horária excessiva e acúmulo de funções para atingir metas propostas pelas empresas. Esses são fatores que contribuem para o surgimento de sintomas ansiosos e depressivos nos trabalhadores

Tornam-se preocupantes, pelas características atuais, o estresse relacionado ao trabalho e suas consequências para a saúde dos trabalhadores. Diferentes correntes de pensamento no campo da saúde mental e trabalho versam sobre a questão, dentre as quais se destacam duas teorias: a do estresse, que investiga o estresse e o trabalho e recebe o nome de work stress,  e a das ciências sociais, que privilegia as relações de poder. As causas do work stress são variadas e envolvem episódios de mobbing (forma de pressão psicológica ou moral), assédio psicológico, intimidação e outras formas de violência que estão cada vez mais presentes no ambiente de trabalho. Esse fenômeno provoca danos psicofísicos e sociais, gerando um efeito negativo sobre o trabalhador e a empresa. Assim, na tentativa de lidar com o estresse, os profissionais podem recorrer a comportamentos pouco saudáveis, a exemplo do abuso de álcool e outras drogas. Ademais, a crise econômica e a recessão também levaram a um aumento do estresse relacionado ao trabalho, da ansiedade, da depressão e de outros distúrbios mentais, inclusive conduzindo algumas pessoas ao extremo do suicídio.

Sabe-se que a ansiedade, a depressão, o consumo abusivo de substâncias psicoativas e o estresse diário estão entre as causas mais comuns que levam o trabalhador ao adoecimento mental relacionado ao labor. Contudo, há de se considerar que as características individuais são marcantes para o estabelecimento de uma boa relação entre trabalho e saúde mental, de forma que, do ponto de vista psicológico, certa atividade motivadora para uma pessoa poderá ser depressora para outra. E, para que haja um bem-estar físico e psíquico, é necessário avaliar as questões social, econômica e ambiental nas quais esse profissional está inserido.

A relação saúde-trabalho-doença há muito tempo vem sendo objeto de estudos, em virtude da sua relevância para o homem e para a sociedade. As teorias sobre a relação entre o adoecimento mental e o trabalho utilizam pressupostos da teoria cognitivo comportamental, além de métodos que envolvem exercícios e relaxamento para prevenção e tratamento. A psicodinâmica do trabalho enfoca a organização dessa atividade como fator gerador de angústia e adoecimento mental, ao passo que as abordagens baseadas no modelo epidemiológico e/ou diagnóstico contribuem para a saúde do trabalhador ao abordar os efeitos do trabalho no processo de adoecimento psíquico, considerando a multicausalidade para esse fato.

O campo da subjetividade e trabalho teve início nos anos 1980 e baseia-se na concepção do trabalhador a partir de suas experiências adquiridas no labor, funcionando como eixo norteador para o homem. A teoria afirma que, além do caráter técnico e econômico, o significado do trabalho ultrapassa o âmbito social, cultural, valores e subjetividade. Dessa forma, busca-se a compreensão das vivências dos trabalhadores e o significado que o trabalho traz consigo no processo saúde-doença. Ademais, há outras correntes teóricas que embasam os estudos sobre essa relação, como o positivismo, para o qual o adoecimento dos trabalhadores pode resultar em riscos ocupacionais, e o materialismo histórico, fundamentado na determinação social de que as cargas de trabalho são consideradas parte dos determinantes do adoecimento pelo labor. Além disso, ainda se destacam os pressupostos marxistas que sustentam a determinação histórica sobre os processos saúde-doença e seus vínculos, considerando a historicidade e o contexto que envolvem as relações de produção, materializadas em condições ao trabalhador, geradoras ou não de sofrimento psíquico.

Sendo assim, as teorias sobre o estresse e a psicodinâmica do trabalho, as abordagens com base no modelo epidemiológico e/ou diagnóstico e o campo subjetividade e trabalho correspondem a modelos teóricos que avaliam a relação entre sofrimento mental e trabalho.

A propósito disso, uma das importantes vertentes teóricas em que se estruturam as pesquisas sobre a relação doença-saúde-trabalho é a psicopatologia do trabalho, que possibilita a análise da dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pela confrontação do indivíduo com o trabalho e de onde estão envolvidos o sofrimento psíquico e o prazer.

A noção de sofrimento psíquico implica um estado de luta do sujeito contra as forças que o estão empurrando em direção à doença mental. Ao instalar-se o conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico dos homens, emerge o sofrimento patogênico. O sofrimento do trabalhador é formado pelo sofrimento organizado por meio dos sintomas de insatisfação e ansiedade. E o prazer no trabalho está vinculado à satisfação das necessidades representadas em alto grau pelo sujeito, assim, o prazer do trabalhador resulta da descarga de energia psíquica que a tarefa exige.

Nessa perspectiva, a psicodinâmica do trabalho compreende duas grandes categorias, sendo a primeira composta por organização no contexto do trabalho, condições de trabalho e relações de trabalho; e a segunda, pela mobilização subjetiva do trabalhador, estratégias defensivas e espaços de discussão coletiva. Os elementos constituintes dessa categoria estão relacionados com as vivências de prazer e sofrimento no trabalho. As ligações entre as pressões da atividade laboral e as defesas contra seus efeitos psicológicos são considerados eixos centrais da abordagem psicodinâmica do trabalho e a organização do trabalho é considerada como um potencial desestabilizador para a saúde mental do trabalhador.

Nesse sentido, mesmo inseridos em trabalhos permeados por fatores que possam contribuir ou desencadear o seu adoecimento, os trabalhadores são capazes de desenvolver estratégias defensivas que podem ser compreendidas como um mecanismo pelo qual buscam transformar ou minimizar o impacto da realidade de atividades laborais que desencadeiam sofrimento. Essas estratégias são de natureza individual ou coletiva.

Convém ressaltar que essas estratégias defensivas podem ser tanto positivas quanto negativas e compreendem desde uma atitude de desprezo com relação ao risco existente no âmbito laboral até a atribuição de um valor simbólico para o sofrimento, a minimização da importância do sofrimento, o abuso de álcool, a racionalização, o individualismo, a passividade, os exercícios físicos e a atenção à espiritualidade e encontros sociais.

Portanto, estabelecer a relação entre adoecimento mental e trabalho não consiste em uma tarefa fácil, visto a complexidade do adoecimento psíquico, que envolve várias dimensões do sujeito e suas particularidades.

Em termos estatísticos, dados apontam que mais de 400 milhões de pessoas são afetadas por transtornos mentais ou comportamentais em todo o mundo. No Brasil, os transtornos mentais são a terceira causa de longos afastamentos do trabalho por doença. Por essa razão, os problemas de saúde mental já ocupam cinco posições no ranking das dez principais causas de incapacidade para o trabalho, representando um fenômeno mundial.

O trabalho pode afetar as relações interpessoais e contribuir para o surgimento de estresse e distúrbios de sono, principalmente em situações de turno noturno. Ademais, após o adoecimento, os trabalhadores modificam suas visões em relação ao ambiente de trabalho, em geral, sentindo-se insatisfeitos e sem apoio.

Por: Márcia Astrês Fernandes 

Revista Brasileira de Medicina do Trabalho