Quando serei vacinado? Veja por que a pergunta ainda não tem resposta um mês após Brasil começar imunização

Sandro Azevedo | 4285 Visualizações | 2021-02-19T16:46:52-03:00
  1 Avaliações (Ver)

Para a maioria do 77 milhões de brasileiros dos grupos prioritários e sobretudo para todos os demais, ainda não há resposta exata sobre quando será a vacinação. As vacinas contra a Covid-19 existem, são eficazes, mas a primeira dose só chegou a 5 milhões de brasileiros após um mês de campanha. Entre eles, pouco mais de 300 mil receberam a 2ª dose. Além disso, cidades pelo Brasil começam a suspender a campanha por falta do imunizante.

Especialistas ouvidos pelo G1 listam as pedras no caminho (veja tópicos abaixo) e dão as perspectivas do que precisa ser feito para a vacinação avançar no país. Nesta reportagem, veja análise dos seguintes pontos:

- Compra limitada de vacinas

- Atraso na elaboração e divulgação do PNI

- Escassez de vacinas no mundo

- Dificuldades na importação do IFA

- Falta de clareza nas fases e grupos prioritários

- Falta de apoio para pesquisa e produção 100% nacional

- Demora no avanço e registro de novas vacinas

Abaixo, veja os detalhes dos sete tópicos.

1. Compra limitada de vacinas

O Brasil tem um número limitado de doses disponíveis e uma das explicações é o fato de o governo federal ter apostado em somente uma vacina: Oxford/AstraZeneca.

A imunização começou no Brasil utilizando a aposta do governo de São Paulo na vacina chinesa CoronaVac. Em janeiro, o Ministério da Saúde entregou aos estados 10,7 milhões de doses da vacina, o único imunizante contra Covid-19 disponível no país até aquele momento. A quantidade é suficiente para imunizar apenas cerca de 5,3 milhões dos 77,2 milhões de pessoas que formam os grupos prioritários estabelecidos pelo Plano Nacional de Imunização (PNI).

A pequena oferta de doses é reflexo da demora do governo federal em firmar os contratos de aquisição com as farmacêuticas. Até dezembro, o Brasil havia fechado acordo apenas com a Universidade de Oxford/AstraZeneca.

A confirmação da compra de doses da CoronaVac ocorreu somente em janeiro. A negociação da vacina tem sido objeto de disputa política desde outubro, quando o ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro e forçado a desistir de comprar 46 milhões de doses do imunizante.

Considerando a previsão de 354 milhões de doses para este ano, o Brasil negociou 1,68 dose por habitante. O número está abaixo de países como Canadá (8,99 doses por habitante), Reino Unido (6,83), Chile (4,66), EUA (3,68) ou Japão (2,48).

Sem variedade nos contratos com as farmacêuticas, a previsão é que o país receba até março mais 27,37 milhões de doses da Coronavac, 2,6 milhão de doses do consórcio Covax e 7,5 milhões de imunizantes da Universidade de Oxford/AstraZeneca. A quantidade não será suficiente para vacinar nem mesmo um quarto dos grupos considerados prioritários.

“Não compramos quando precisávamos comprar [a vacina] e se não comprarmos agora, para uma entrega daqui a talvez dois meses ou quando a oferta aumentar, vamos ficar sem vacina. Então temos que fazer mais acordos, temos que comprar de outros fornecedores, outros tipos de vacinas, doses prontas de vacinas que possam ser usadas imediatamente”, afirma Denise Garret, epidemiologista e vice-presidente do Sabin Vaccine Institute.

2. Atraso na elaboração e divulgação do PNI

O plano nacional de vacinação é alvo de críticas, foi divulgado com atraso e a definição de quem é prioridade ainda está sendo cobrada do Ministério da Saúde pela Justiça

O Ministério da Saúde apresentou um primeiro plano de vacinação contra a Covid-19 em 11 de dezembro, após partidos entrarem com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) cobrando o governo.

A primeira versão do plano informava que mais de 51 milhões de pessoas seriam vacinadas em quatro fases ao longo do primeiro semestre de 2021. Contudo, o documento, considerado pouco específico pelos especialistas, não estipulava uma data para o início da vacinação.

Além disso, no mesmo dia do anúncio, pesquisadores que assessoraram o Ministério da Saúde e tiveram os nomes citados no documento emitiram nota conjunta afirmando não terem sido consultados antes do envio do plano de vacinação ao STF.

Mais de um mês depois, em 20 de janeiro, o Ministério da Saúde entregou um plano de vacinação atualizado. A pasta aumentou o grupo prioritário para mais de 77 milhões de pessoas, passando a incluir, além dos idosos e profissionais da saúde, trabalhadores industriais e portuários. O governo ainda excluiu as quatro etapas de vacinação e detalhou apenas a primeira delas, sem especificar quais subgrupos deveriam ser prioridade dentre os 27 listados como prioritários.

3. Escassez de vacinas no mundo

Os cientistas e laboratórios conseguiram aprovar vacinas em tempo recorde, mas os custos e os gargalos de produção são problemas globais, e entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertaram países para a necessidade de preparação

Não é só o Brasil que enfrenta problemas com a vacinação. Nas últimas semanas, União Europeia criticou a demora na entrega de vacinas da AstraZeneca/Oxford. A Pfizer/BioNTech também anunciou atrasos. O Canadá, que assinou acordos com sete fabricantes em um total de mais de 400 milhões de doses (muito acima do número de habitantes), também não recebeu as doses e não conseguiu atingir as metas de vacinação. Nos EUA, o presidente Joe Biden alertou em janeiro para uma possível falta de vacinas.

Pfizer/BioNTech, Moderna, Sputnik V, Oxford/AstraZeneca, CoronaVac/Sinovac e Sinopharm são as vacinas que já estão sendo aplicadas no mundo. O Brasil tem acordo, até agora, com duas fabricantes: Oxford/AstraZeneca e CoronaVac/Sinovac.

Para a epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI), o problema da vacinação no Brasil não está na demora da aplicação, mas na falta de doses. Além disso, ela acredita que a estratégia da campanha deveria ser outra.

“Nós temos poucas vacinas. Com pouca dose, você não pode ampliar para outro público-alvo. É preciso escolher o grupo do grupo para ser vacinado. A vacinação deveria ter sido concentrada em lugares com mais incidência da doença. Essa pulverização [da vacina] não foi adequada” - Carla Domingues, ex-coordenadora do PNI

4. Dificuldades na importação do IFA

Os dois fornecedores de vacinas compradas pelo Brasil estão cumprindo contratos, mas a expectativa de entrega rápida esbarrou em problemas na importação da matéria-prima

O Brasil ainda não tem uma estrutura adequada para desenvolver e fabricar todos os itens das vacinas. Por isso, acaba dependendo da importação do IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo). Sem ele não existe o imunizante. As dificuldades na importação da matéria-prima para as duas vacinas provocaram um atraso no cronograma de vacinação.

Questões práticas e políticas que travam envio de vacinas e insumos de China e Índia

A entrega dos primeiros lotes de IFA da AstraZeneca estava prevista para janeiro, mas chegou só no dia 6 de fevereiro. Isso mexeu com a produção: passou de 7,5 milhões de doses para 2,81 milhões. Mas a previsão final continua a mesma: 100 milhões de doses produzidas em solo brasileiro até o fim de julho. A CoronaVac também atrasou. A previsão era entrega em 6 de janeiro e o IFA chegou da China no dia 3 de fevereiro. Além disso, o contrato previa um lote de 11 mil litros. Mas, a pedido do fabricante chinês, a remessa foi dividida em duas.

Os ingredientes vêm da China – o país asiático foi alvo de ataques frequentes de membros do governo Jair Bolsonaro. Em outubro, o presidente chegou a cancelar um acordo de compra de doses da CoronaVac pelo Ministério da Saúde e afirmou que não compraria vacinas produzidas na China.

5. Falta de clareza nas fases e nos grupos prioritários

Profissionais de saúde fora da linha de frente foram vacinados em diversas cidades do país e STF cobrou clareza do Ministério da Saúde; fases da vacinação não são mais informadas pelo governo

Diante da escassez de doses para vacinar até mesmo os profissionais da saúde, no dia 8, o ministro do STF Ricardo Lewandowski determinou que o governo defina uma ordem entre os 27 grupos prioritários do PNI para orientar os estados na vacinação contra a Covid-19.

"Ao que parece, faltaram parâmetros aptos a guiar os agentes públicos na difícil tarefa decisória diante da enorme demanda e da escassez de imunizantes", escreveu o ministro Lewandowski.

Conforme o G1 apurou, diversas cidades passaram a vacinar profissionais da área de saúde que não atuam na linha de frente à pandemia. Biólogos, psicólogos e educadores físicos, entre outros profissionais, ganharam prioridade em locais onde as doses não começaram a chegar aos idosos.

No mesmo dia da decisão de Lewandowski, o Ministério da Saúde alertou os estados que as "primeiras etapas" da campanha nacional de vacinação contra a Covid-19 não têm previsão de atender 100% dos profissionais de saúde. Segundo a pasta, um dos focos da "primeira fase" é atender 34% dos trabalhadores da saúde, apenas aqueles que atuam diretamente na linha de frente contra a pandemia.

Para o infectologista Renato Grinbaum, da Sociedade Brasileira de Infectologia, diante da escassez, é preciso seguir os critérios técnicos.

"Temos que ter uma comissão de técnicos, sem interferência política, que seja capaz de escolher quais são as áreas de maior risco à doença. Essa prioridade pode mudar de local para local, mas o primeiro grupo a ser vacinado deve ser sempre o que está apresentando o maior número de óbitos e os profissionais da saúde que trabalham na linha de frente" - Renato Grinbaum, infectologista da SBI

6. Produção nacional

Diversas universidades e centros de pesquisa desenvolvem projetos, mas não há perspectiva de curto prazo para avanços na área

O Brasil tem projetos de pesquisa próprios de vacinas contra a Covid-19. Se algum conseguir avançar até a aprovação, será o primeiro imunizante na história do país produzido com tecnologia 100% nacional.

O problema é que, até agora, nenhuma vacina brasileira chegou à fase de testes em humanos – a chamada fase clínica. Antes disso, as vacinas precisam ser testadas em animais – normalmente em camundongos e, depois, primatas não humanos (macacos).

O pesquisador Jorge Kalil, da USP, que lidera uma dessas pesquisas, pretende começar testes em humanos, de fase 1, ainda neste ano. A vacina do Incor, feita com proteínas do vírus, deverá ser administrada por spray nasal.

O cientista frisa que é possível e necessário o Brasil ter sua própria vacina – inclusive por causa das novas variantes do Sars-CoV-2 que estão surgindo e se espalhando no país.

"Nós temos vacina que cobre a variante (que teve origem em) Manaus? Não tem. E quem é que vai ter que fazer isso?", questiona Kalil.

A variante descoberta em Manaus, uma das detectadas no Brasil, tem 3 mutações que preocupam: uma delas parece estar associada a uma maior transmissibilidade do vírus e as outras duas, a um possível enfraquecimento dos anticorpos humanos contra o vírus. As vacinas usadas hoje têm tido taxas de sucesso diferentes contra essas mutações.

"Não é de uma hora para a outra que faz a transferência tecnológica. Demora. Temos que ter uma fábrica para fazer [a vacina]", lembra Jorge Kalil. O Butantan e a Fiocruz têm acordos de transferência de tecnologia da CoronaVac e da vacina de Oxford, respectivamente.

"Nós não temos fábrica aqui para fazer a CoronaVac. Tem que construir a fábrica e depois fazer a transferência de tecnologia para aprender. Mas você também não é independente – porque se mudar a cepa, você não pode mudar [a vacina], quem tem que mudar é o dono da tecnologia. Essas coisas são importantes que as pessoas entendam", afirma.

7. Demora no avanço e registro de novas vacinas

Após esnobar a vacina da Pfizer, o Brasil agora avalia a compra da Sputnik e da Covaxin, mas as tratativas ainda não avançaram

Depois de negar a compra de 70 milhões de doses de vacinas da Pfizer, o Brasil vem fazendo tentativas de importar outras vacinas. O governo brasileiro sinalizou interesse em comprar a Sputnik V, da Rússia, e a Covaxin, da Índia; laboratórios privados também entraram em tratativas para comprar a vacina indiana.

A União Química, farmacêutica brasileira que firmou um acordo com um fundo russo para produzir a Sputnik V no Brasil, fez um pedido à Anvisa para conduzir estudos de fase 3 no Brasil e, depois, solicitou o uso emergencial da vacina, em 16 de janeiro.

Ambos os pedidos foram devolvidos à empresa por causa de documentos faltantes. Até agora, segundo a Anvisa, a União Química não retornou com o material que faltava.

O Ministério da Saúde anunciou que a União Química deverá entregar 10 milhões de doses da Sputnik V entre março e maio, e que a Precisa Medicamentos – representante brasileira do laboratório indiano Bharat Biotech, criador da Covaxin – 30 milhões de doses da Covaxin no mesmo período.

Segundo a Anvisa, a empresa responsável pela Covaxin "reafirmou que considera importante e que deseja realizar o estudo clínico de fase 3 no país". Não há pedido de uso emergencial e nem de estudo de fase 3 da vacina tramitando com a agência.

Fonte: G1

Leia a notícia completa aqui