Covid-19: desigualdade demanda regulação única de leitos, diz especialista

Sandro Azevedo | 4288 Visualizações | 2020-05-17T16:34:31-03:00
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“Muito pouco e muito tarde”. Foi assim que a médica Ligia Bahia, professora da UFRJ e doutora em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz, descreveu a situação do Brasil em relação à pandemia, referindo-se ao volume de recursos destinados ao combate ao novo coronavírus e à demora para implementar as ações necessárias. A avaliação dura foi feita no evento on-line “A pandemia e as desigualdades sociais”, realizado na quarta-feira pelo Fórum Permanente de Biodireito, Bioética e Gerontologia.

Ela fez um prognóstico sombrio do que teremos pela frente: “as medidas de proteção coletiva não têm dado certo, o SUS não se fortaleceu e o país não vai sair melhor desse desafio. Acho que teremos que pensar em ações de reparação de dano coletivo, como já estão acontecendo na França, para punir os culpados pelas decisões equivocadas”. A doutora Ligia disse que a pandemia está funcionando como uma lente de aumento em relação à enorme desigualdade que existe no país: “a desigualdade se dá em dois planos. Um é o da distribuição de renda, dos bens divisíveis, mas há também a desigualdade do reconhecimento, da estima, do respeito. Somos campeões nisso e a área da saúde não foge desse perfil”.

A médica afirmou que, diante do quadro que mostra que há respiradores e leitos disponíveis no setor privado, a regulação única de leitos é uma prioridade: “está havendo segregação pela capacidade de pagamento. Para quem tem um plano de saúde privado e se pergunta se vai ter que ceder seu lugar para alguém sem plano, que recorre ao SUS, explico que a fila única não é uma restrição de direito, e sim uma expansão desse direito. Exemplificando, pode ser que uma pessoa tenha um plano apenas razoável, com cobertura de uma UTI da qual ela, felizmente, não precisa. A vaga na terapia intensiva irá para alguém mais necessitado e esse indivíduo poderá ser atendido num hospital até melhor do que o do seu convênio”.       

A juíza Maria Aglaé Tedesco Vilardo é a presidente do Fórum, que integra a Emerj (Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro). Na sua opinião, ainda falta uma grande discussão que atenda a anseios legítimos das pessoas que se sentem impotentes ao verem a situação se deteriorar. Por exemplo, de que forma é possível influenciar as políticas públicas para que sejam efetivas e atendam problemas urgentes? Como proteger os idosos que estão em instituições de longa permanência? Para ampliar o debate, o evento de quarta foi o primeiro de quatro encontros. O próximo ocorrerá nesta terça, reunindo especialistas das áreas da saúde e do direito de diversos estados. Em pauta, cuidados paliativos, as escolhas difíceis dentro do CTI, a interdição do luto para as famílias. Na sequência, dia 26, haverá um seminário internacional, no qual os juízes Antonio José Fialho, de Portugal, e José Luiz Bazan, da Espanha, o professor argentino Gabriel Schütz, que dá aulas na Fiocruz, e o professor de filosofia Rafael Martins, que mora nos EUA, compartilharão as experiências que vivem nesses países.

Fechando o ciclo, no dia 27, haverá um debate sobre a dignidade humana e a precária condição na qual se encontram as instituições de longa permanência, que enfrentam altos índices de contaminação. Os locais deveriam ter planos de ação e de vigilância com o objetivo de evitar o surgimento do vírus, com reforço dos protocolos de higiene e o uso de equipamentos de proteção individual, como gorros, máscaras e luvas, mas trata-se de um universo bastante heterogêneo. “Não podemos encarar o problema de uma forma fatalista, como se não pudéssemos fazer algo”, diz a juíza Maria Aglaé. E finaliza: “acordo estupefata com tudo o que estamos vivendo. Todo o nosso atraso e desigualdades, esses velhos conhecidos, estão escancarados. Como diz Amartya Sen, o reconhecimento dos direitos humanos não é uma pregação para que todos impeçam violações. É assumir que as pessoas em condições de fazer algo para impedir a violação desses direitos têm uma boa razão para agir desta maneira e não devem dizer que o problema não é delas”.

Por: Mariza Tavares

Jornalista, mestre em comunicação pela UFRJ e professora da PUC-RIO/G1

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