Riscos e Efeitos na Saúde dos Trabalhadores Envolvidos no Corte da Cana-de-açúcar
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2019-05-24T10:12:20-03:00
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Ambiente e Organização do Trabalho

O processo do corte manual da cana é uma atividade que impõe ao cortador uma elevada carga física, pois requer a execução de movimentos vigorosos, rápidos e repetitivos com facão. Além disso, há o carregamento dos feixes de cana. O corte de cana manual exige o corte de várias canas junto ao solo e seu recolhimento em feixes pesam cerca de 10 kg a 15 kg. Os feixes são carregados por cerca de dois a cinco metros e dispostos em fileiras para serem recolhidos pelos caminhões que os transportam até a usina para a moagem. A remuneração por produção é um fator de risco adicional, pois induz a um ritmo de trabalho maior a fim de garantir um salário um pouco melhor e maior possibilidade de contratação nas safras subsequentes .

Para termos uma noção desta gravidade, estudos mostram que um trabalhador durante uma jornada de trabalho, em que corta 13 toneladas/dia realiza, em média, 3.100 flexões da coluna, 3.500 golpes de facão e 1.000 rotações da coluna lombar.

Além disso, esses trabalhadores são diretamente expostos aos poluentes gerados pela queima da cana-de-açúcar e são constantemente sujeitos às condições climáticas adversas por ser um trabalho realizado a céu aberto. O trabalho que exige esforço físico e ambiente com elevada temperatura impõe riscos de sobrecarga e estresse térmico. Isso é agravado pelo uso de vestimentas sobrepostas para reduzir a exposição do sol, o que dificulta a dispersão do calor. Em geral, não fazem pausas, em desacordo com a NR 15, instituída pelo Ministério do Trabalho e Emprego, através da Portaria 3214/78, para sobrecarga térmica. Para atividade física, prevê um regime de 15 minutos de trabalho por 45 minutos de descanso para valores de Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo (IBUTG), entre 28°C e 30°C para atividades com esforço físico intenso, como ocorre com os cortadores, e não é permitido o trabalho com IBUTG acima de 30°C.

O fornecimento indevido de equipamentos pessoais como luvas e óculos, alimentação e hidratação inadequadas e precárias, condições sanitárias complementam o ambiente e o processo de trabalho aos quais esses trabalhadores são submetidos .

Sintomas Respiratórios e Função Pulmonar

A inalação de material particulado liberado durante o corte da cana queimada pode afetar as vias aéreas superiores e inferiores, causando sintomas e doenças respiratórias, além de prejuízos na função pulmonar nos trabalhadores envolvidos .

Encontraram maior prevalência de sintomas respiratórios e diminuição da função pulmonar entre os cortadores de cana durante o período da safra, com relação à pré-safra, sendo observados declínio do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), da relação volume expiratório forçado no primeiro segundo/capacidade vital forçada (VEF1/CVF), e do fluxo expiratório forçado (FEF25-75%), caracterizando uma evolução com padrão de distúrbio ventilatório obstrutivo.

Apesar do aumento de sintomas respiratórios decorrentes da queima da cana-de-açúcar, poucos estudos avaliaram a função pulmonar em cortadores de cana. Recomenda-se estudos com mais números de evidências para confirmação desses achados.

A inalação de poluentes aumenta com o esforço físico, pois exige maior ventilação pulmonar. Isso implica maior risco de ocorrência de inflamação nasal com produção aumentada de citocinas pró-inflamatórias , com alterações no transporte mucociliar nasal.

Alterações Cardiovasculares

Os estudos sugerem impacto no sistema cardiovascular em cortadores de cana evidenciado por aumento da pressão arterial, aumento da carga cardiovascular, alterações do sistema nervoso autônomo e alterações da coagulabilidade sanguínea durante a safra, comparado com a entressafra.

Marcadores Inflamatórios e de Estresse Oxidativo

O esforço físico excessivo, a exposição ao calor e aos poluentes atmosféricos aos quais estão submetidos os trabalhadores durante o trabalho no período de colheita da cana podem induzir o desenvolvimento de estresse oxidativo e inflamação pulmonar e sistêmica.

Outras manifestações ocasionadas pelo trabalho extenuante,  associam-se à elevação de biomarcadores de lesão muscular como a creatina quinase (CK) e a lactato desidrogenase (LDH) e às alterações de eletrólitos, compatíveis com o trabalho em condições de sobrecarga física e desequilíbrio hidroeletrolítico. O CK e o LDH são biomarcadores que podem aumentar durante as situações de exercício intenso, em que as membranas celulares tornam-se mais permeáveis e liberam vários compostos para o sangue, incluindo a mioglobina.

Efeitos Renais

Registros sanitários e pesquisas na América Central mostram a ocorrência de epidemia de injúria renal crônica em trabalhadores rurais.  Apesar de diversos estudos realizados, não foi esclarecida sua etiologia. Uma das hipóteses é a de que possa ser causada por repetidos episódios de lesões renais agudas, por desidratação diária, associada com rabdomiólise, inflamação sistêmica, estresse oxidativo, variações genéticas e exposições a pesticidas não caracterizadas.

A desidratação, o estresse térmico e a depleção de volume são conhecidos fatores de risco para o desenvolvimento de doença renal.

Não se podem descartar as condições de trabalho como um dos fatores que possam ter contribuído para a epidemia de doença renal crônica em vários países da América Central e alguns países asiáticos, com destaque para trabalhadores da lavoura de cana-de-açúcar. Entretanto, não se sabe ao certo a etiologia e a fisiopatologia da epidemia de injúria renal crônica nesses trabalhadores. Também é desconhecido se a repetição de injúrias agudas pode ser uma das causas associadas às características genéticas, variadas exposições ambientais e ao uso de anti-inflamatórios na indução de doença renal crônica.

Exposição a Agentes Potencialmente Cancerígenos e Efeitos Genotóxicos

Estudos realizados em regiões canavieiras encontraram valores aumentados em marcadores de exposição a hidrocarbonetos aromáticos em trabalhadores envolvidos no corte de cana.

Os resultados indicaram valores mais altos de micronúcleos e anormalidades nucleares nos sujeitos expostos comparados aos não expostos. A queima da cana-de-açúcar, que gera hidrocarbonetos policíclicos, representa um risco genotóxico para os trabalhadores da cana-de-açúcar.

Efeitos Diversos

A maior parte dos estudos que abordam o ambiente e a organização do trabalho é qualitativa. Esse tipo de estudo tem grande relevância para qualificar riscos e problemas levantados pelos trabalhadores. No entanto, há limitações para avaliar melhor os riscos e efeitos na saúde dos trabalhadores, pois normalmente são realizados apenas por meio de entrevistas.

Apesar da implementação de leis e medidas que preveem a eliminação da prática da queima da cana-de-açúcar, ela ainda é realizada em várias regiões do Brasil e em diversos países. Por tratar-se de trabalho agressivo à saúde, mesmo quando o corte é feito em cana não queimada, essa atividade deve passar por mudanças com vistas à proteção dos trabalhadores. Essas mudanças devem incluir a revisão do ganho por produção, a eliminação da queima pré-colheita, a mecanização e a observação de pausas no trabalho. Esse processo deve ser realizado com a participação dos trabalhadores para que ocorra a adequação entre o ritmo de adoção de novas tecnologias e o estabelecimento de políticas públicas compensatórias aos empregos perdidos. Além disso, deve haver a qualificação de trabalhadores, para que ocupem os novos postos de trabalho gerados pela mecanização.

Conclusão

O trabalho no corte manual de cana-de-açúcar, principalmente da cana queimada, expõe os trabalhadores a diversos riscos, responsáveis por agravos à saúde – respiratórios, renais, cardiovasculares, osteomusculares, oculares e dermatológicos.