Enquanto a corrida "estrategista" do Governo Federal, consolida arbitrariamente a chamada "modernização" das Normas Regulamentadoras no Brasil, o país ainda ocupa a quarta posição no mundo no ranking de acidentes de trabalho, com uma média de 700 mil registros de acidentes ao ano, ficando atrás somente da China, Índia e Indonésia. Sistemas de proteção contra catástrofes, se tornaram um diferencial na atual conjuntura nacional, problema este, que deveria ser revisto com prioridade, já que os sistemas de proteção carecem ser previstos por lei, e não apenas implicam na saúde e segurança da sociedade em geral, como interferem absurdamente no sistema produtivo de qualquer empresa.
Este cenário é ainda mais preocupante, afinal de contas, esses números são dos casos registrados, todavia, se nós levarmos em consideração os acidentes que não são notificados através de CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), estima-se que de empresas de pequeno e de médio porte, menos de 20% das ocorrências são notificadas de fato. Isso agrava-se ainda mais, quando, por exemplo, a MP 905, vem determinar que os acidentes de trajeto, não serão mais enquadrados como acidentes de trabalho. Pois bem, teremos um novo percentual de acidentes que não serão mais considerados, mas que, continuará vitimando trabalhadores. Como esses acidentes serão computados? Quais foram ou quais serão as medidas encabeçadas para garantirem a manutenção da integridade dos trabalhadores nesses casos? Ou será que nessas ocorrências, não poderemos prever traumas, amputações, afastamentos ou mortes? Vale salientar, que desde 2018, a Previdência já não considera mais esses acidentes de percurso para o cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que é o gatilho que pode aumentar ou diminuir a alíquota da contribuição aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), como é chamado o antigo Seguro de Acidente do Trabalho (SAT).
Esta MP vem revogar a alínea “d” do inciso IV do caput do artigo 21. Agora, caso o acidente exija que a pessoa se afaste do trabalho por mais de 15 dias, o empregado poderá solicitar o auxílio-doença comum, pois perde não só o direito ao auxílio-doença acidentário, como a estabilidade de 12 meses no emprego, antes assegurada. Será justo considerar que um trabalhador acidentado, mesmo que em trajeto de trabalho, deixe de usufruir de um amparo legal, ou mesmo de uma garantia que lhe dê respaldo, diante de possíveis sequelas ocasionadas por tais ocorrências? Ainda assim, vale salientar que o cumprimento dessa norma causa divergência. Isso ocorre porque duas súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), as de número 90 e 429, versam sobre horas em deslocamento e o tempo à disposição do empregador. Para muitos executores do Direito, essas súmulas se sobrepõem à alteração na CLT, e consideram que a reforma trabalhista não suprimiu essa questão, quando na ocasião da sua aprovação, deixou de contar o deslocamento até o trabalho como tempo à disposição do empregador.
Afinal, quem perde com isso? Mais uma vez, o trabalhador é subtraído de direitos nas envergaduras do país, o que na verdade, expõe o mesmo à condições cada vez mais agravantes.
A Portaria nº 915, de 30 de julho de 2019, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, revoga a Norma Regulamentadora nº 2. A NR 2, que impunha procedimentos a serem seguidos por novos estabelecimentos antes de iniciarem suas atividades ou após realizarem modificações substanciais nas instalações e/ou equipamentos, era regida pelas Portarias SSMT nº 6, de 9 de março de 1983, e nº 35, de 28 de dezembro de 1983, ambas revogadas pela Portaria nº 915/2019. Na verdade, para um bom entendedor, a revogação desta norma, apenas nos induz a crer na falta de eficiência da mesma. Mas será que isso é verdade? Quantos acidentes já se desencadearam nesta etapa, antes mesmo do início de atividades, ou mediante mudanças significativas nas instalações e/ou equipamentos? Se com a existência da norma, já tínhamos problemas, imaginemos sem ela. Quem fiscalizará ou questionará esses procedimentos a partir de agora? Isso não é considerado relevante? A norma foi revogada por seu desuso, como divulgado, ou pelo fato de não está sendo devidamente cumprida pelas empresas, já que na prática, o falecido Ministério do Trabalho, já não mais realizava inspeções prévias e nem emitia o CAI (Certificado de Aprovação de Instalações)? Uma coisa seria considerarmos a deficiência, no tocante à fiscalização das irregularidades irrefutáveis, nesta etapa do processo, outra coisa, seria nos questionarmos da importância de se garantir ao trabalhador, um ciclo de atividades livre de riscos de acidentes e/ou doenças do trabalho, se é que alguém considera isso importante neste país. Uma empresa é um sistema complexo, e a sua gestão de segurança também deveria ser.
Outro grande prejuízo desta chamada “modernização”, está na saída da competência revisional da área técnica, para a área política. Há mais de 20 anos, as normas regulamentadoras , foram discutidas em comissões tripartites, e esta formatação, de caráter tripartite, também foi desmontada. O Brasil possuía cerca de 30 comissões temáticas paritárias, que debatiam tecnicamente, qualquer texto de propositura para alteração de NR’s, mas infelizmente, todas essas comissões foram extintas em uma só “canetada”.
Nos resta apenas a Comissão Paritária Permanente, que ainda assim, não possui natureza técnica. Portanto, quando “flexibilizamos” qualquer uma dessas normas, que já não vem sendo devidamente cumprida, tão pouco fiscalizada, por falta de uma estrutura elementar, na própria base de competência do estado brasileiro, estamos claramente expondo ainda mais os nossos trabalhadores aos acidentes, e ao adoecimento ocupacional.
O Brasil passa por uma forte crise econômica e política, onde determinadas mudanças, muitas das vezes arbitrárias, comprometem definitivamente o futuro das relações e das condições de trabalho, até mesmo, o fim descompassado, de princípios determinantes, para a segurança e a saúde dos nossos trabalhadores. Acredita-se que essas mudanças desestabilizadoras, estão indo em confronto ao chamado Princípio da Proteção, considerado o princípio protetor do Direito do Trabalho, e por este ser basilar ao direito do trabalho, sua fragilização traz bastante risco aos direitos já assegurados aos trabalhadores.
O anseio pela inafastabilidade do princípio da proteção, surge com a ideia de proteger o trabalhador, de se ter um protecionismo necessário, apaziguador de relações, onde se deve esperar uma aplicação igualitária das normas, não deixando o trabalhador em desvantagem econômica, tão pouco social, assim permitindo, que com igualdade de condições, se faça realmente um dia, justiça neste país.
Será que já nos questionamos sobre o verdadeiro propósito dessas mudanças? Até onde podemos considerar essas "melhorias", se é que elas estão sendo impulsionadas de fato? Uma coisa é certa, a preocupação com a saúde e a segurança no ambiente de trabalho, encontra-se na “base de operações”, ou seja, em nós prevencionistas, pois todos sabemos, que interesses outros, superam até mesmo a vida, daqueles que movimentam as engrenagens deste país.
Por: Sandro de Menezes Azevedo
Presidente/ASPROTEST
Diretor de Assuntos Jurídicos e de Eventos/SINTEST-SE
Segundo Secretário Geral/FENATEST