Gases irritantes são aqueles que, quando inalados, se dissolvem na água da mucosa do trato respiratório e causam uma resposta inflamatória, geralmente por causa da liberação de radicais ácidos ou alcalinos. Exposições a gases irritantes comprometem predominantemente as vias respiratórias, causando traqueíte, bronquite e bronquiolite. Outros agentes inalados podem ser tóxicos diretamente (p. ex., cianeto ou monóxido de carbono) ou causar danos simplesmente por deslocamento de oxigênio e provocar asfixia (p. ex., metano e dióxido de carbono).
O efeito da inalação de gases irritantes depende da extensão e da duração da exposição e do agente específico.
Cloro, fosgênio, dióxido de enxofre, cloreto de hidrogênio, sulfureto de hidrogênio, dióxido de nitrogênio, ozônio e amônia estão entre os gases irritantes mais importantes. O sulfureto de hidrogênio é também uma potente toxina celular, bloqueando o sistema do citocromo e inibindo a respiração celular. Uma exposição comum envolve a amônia doméstica misturada com produtos de limpeza que contenham alvejante; o gás irritante cloramina é liberado.
Exposição Aguda
A exposição aguda a altas concentrações de gás tóxico durante curto período é característica de acidentes industriais, decorrentes de imperfeições em válvulas ou bombas de tanque de gás, ou durante o transporte de gás. Muitas pessoas podem ser expostas e afetadas. A liberação de isocianato de metila de uma fábrica de produtos químicos em Bhopal, na Índia, em 1984, matou mais de 2.000 pessoas.
Lesão respiratória está relacionada à concentração e hidrossolubilidade do gás e duração da exposição.
Os gases mais solúveis em água (p. ex., cloro, amônia, dióxido de enxofre, cloreto de hidrogênio) dissolvem-se na via respiratória superior e provocam irritação de membranas mucosas imediatamente, o que pode alertar as vítimas quanto à necessidade de fugir da exposição. Ocorre lesão permanente ao trato respiratório superior, às vias respiratórias distais e ao parênquima pulmonar apenas se houver obstáculo à fuga da vítima da exposição ao gás.
Gases menos solúveis (p. ex., dióxido de nitrogênio, fosgênio, ozônio) não são capazes de se dissolver até que se encontrem profundamente no trato respiratório, muitas vezes atingindo as vias respiratórias inferiores. Esses agentes são menos propensos a causar sinais de alerta (o fosgênio em baixas concentrações tem um odor agradável), são mais propensos a causar bronquiolite grave e, muitas vezes, há um atraso de ≥ 12 h antes do desenvolvimento de sintomas de edema pulmonar.
Complicações
A complicação imediata mais grave é a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), que geralmente é grave e ocorre em até 24 h. Os pacientes com comprometimento importante das vias respiratórias inferiores podem desenvolver infecção bacteriana.
De 10 a 14 dias após a exposição aguda a alguns agentes (p. ex., amônia, óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre e mercúrio), alguns pacientes desenvolvem bronquiolite obliterante que progride para SDRA. Pode ocorrer bronquiolite obliterante com pneumonia organizada quando o tecido de granulação se acumular nas vias respiratórias terminais e nos ductos alveolares durante o processo reparador corporal. Uma minoria desses pacientes desenvolve fibrose pulmonar tardia.
Sinais e sintomas
Gases irritantes solúveis causam queimaduras graves e outras manifestações de irritação de olhos, nariz, garganta, traqueia e brônquios principais. São comuns tosse intensa, hemoptise, sibilos, ânsia de vômito e dispneia. A via respiratória superior pode ser obstruída por edema, secreções ou laringospasmo. Em geral, a gravidade está relacionada com a dose. Gases não solúveis causam poucos sintomas imediatos, mas podem desencadear dispneia ou tosse.
Os pacientes que desenvolvem SDRA têm piora da dispneia e aumento da demanda de oxigênio.
Diagnóstico
O diagnóstico é em geral óbvio a partir da história. Os pacientes devem ser submetidos à radiografia de tórax e à oximetria de pulso. Os achados da radiografia de tórax de consolidação macular ou confluente habitualmente indicam edema pulmonar. Fazem-se espirometrias e testes de volume pulmonar. As anormalidades obstrutivas são as mais comuns, mas podem predominar anormalidades restritivas depois da exposição a doses elevadas de cloro.
A TC é utilizada para avaliar pacientes com sintomas de desenvolvimento tardio. Aqueles com bronquiolite obliterante que evolui para insuficiência respiratória manifestam um padrão de espessamento bronquiolar e um mosaico irregular de hiperinflação.
Prognóstico
A maioria das pessoas recupera-se totalmente, mas alguns têm lesão pulmonar persistente com obstrução reversível das vias respiratórias (síndrome de disfunção das vias respiratórias reativas) ou anormalidades restritivas e fibrose pulmonar; os tabagistas podem estar em maior risco.
Tratamento
O manejo não difere pelo agente inalável específico, mas sim pelos sintomas. O paciente deve ser removido para ambiente com ar fresco e submetido à suplementação de oxigênio. O tratamento objetiva garantir a oxigenação adequada e a ventilação alveolar. Broncodilatadores e oxigenioterapia podem ser suficientes nos casos menos graves.
Trata-se obstrução grave das vias respiratórias com adrenalina racêmica por inalação, intubação endotraqueal ou traqueostomia e ventilação mecânica.
Devido ao risco de SDRA, todo paciente com sintomas do trato respiratório após inalação tóxica, deve permanecer em observação por 24 h. Não se deve usar rotineiramente doses altas de corticosteroides para SDRA induzida por lesão por inalação; no entanto, alguns relatos de casos sugerem eficácia na SDRA grave após inalação de fumaça de cloreto de zinco.
Após o tratamento da fase aguda, os médicos devem permanecer atentos ao desenvolvimento de síndrome de disfunção das vias respiratórias reativas, bronquiolite obliterante com ou sem pneumonia organizada, fibrose pulmonar e SDRA de início tardio.
Prevenção
A medida preventiva mais importante é o cuidado no manuseio de gases e substâncias químicas. A disponibilidade de proteção respiratória adequada (p. ex., máscaras com autossuprimento de ar) para bombeiros também é muito importante; bombeiros sem equipamento de proteção que correm para atender a vítima com frequência sucumbem.
Exposição crônica
A exposição contínua ou intermitente a gases irritantes ou vapores químicos pode acarretar bronquite crônica, embora o papel desta exposição seja especialmente difícil de ser comprovado em tabagistas.
A exposição crônica à inalação de alguns agentes (p. ex., bis[clorometil]éter ou certos metais) causa câncer de pulmão ou de outros órgãos (p. ex., angiossarcomas do fígado após exposição ao monômero de cloreto de vinil).
Pontos-chave
Exposições a gases irritantes comprometem predominantemente as vias respiratórias, causando traqueíte, bronquite e bronquiolite.
As complicações da exposição aguda podem incluir SDRA, infecções bacterianas e bronquiolite obliterante (às vezes levando à fibrose pulmonar). O diagnóstico da exposição aguda normalmente é óbvio pelo histórico, mas fazer oximetria de pulso, radiografia de tórax, espirometria e avaliação do volume pulmonar. Tratar a exposição aguda com medidas de suporte e observar o paciente por 24 h.
Por Abigail R. Lara