O governo vai revogar a norma de segurança e saúde do trabalho que prevê uma inspeção prévia em instalações de empresas e a emissão de um certificado de aprovação desses locais. A revogação deve ser publicada até a segunda semana de julho. Além disso, a flexibilização de uma segunda norma vai permitir que empresários busquem soluções alternativas para adaptar máquinas e equipamentos a regras de segurança, desde que essas soluções estejam previstas em normas técnicas.
Reportagem publicada pelo GLOBO revelou que o governo prepara a flexibilização de 14 normas já para este ano, sendo cinco delas com publicação prevista para o próximo mês. Até 2021, todas as 37 normas regulamentadoras – as chamadas NRs – terão sido flexibilizadas, conforme cronograma aprovado pela Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), um colegiado que reúne representantes de governo, empregadores e trabalhadores.
Algumas dessas normas e artigos vão desaparecer, como é o caso da NR-2, que trata de inspeção prévia. Outras passarão por mudanças significativas, como a NR-12, que trata de regras para manuseio de máquinas e equipamentos, o que abrange de padarias a siderúrgicas. A flexibilização da NR-12 permitirá que donos de maquinários defasados busquem um leque mais amplo de soluções para adaptações, um pleito antigo do setor de indústria.
Juízes, procuradores, auditores fiscais do Trabalho e pesquisadores são contrários à flexibilização. Isso porque o Brasil é um país com um acidente de trabalho a cada 49 segundos. Foram 16 mil mortes e 38,1 mil amputações nos últimos sete anos. Destas mortes, 2 mil foram causadas por máquinas. Cerca de R$ 79 bilhões foram gastos pela Previdência para cobrir benefícios de acidentados. Os dados são do Ministério Público do Trabalho (MPT), que promete levar à Justiça as mudanças feitas pelo governo caso se constate uma ampliação dos riscos à saúde dos trabalhadores.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê a necessidade de um certificado de aprovação de instalações que ateste a segurança aos trabalhadores em uma edificação de uma empresa nova. Por falta de pessoal, essa fiscalização não vem ocorrendo, o que acaba sendo substituído por uma declaração de instalação. Agora, isto também deixará de ser uma obrigação.
Um dos principais prejuízos, segundo auditores fiscais do trabalho, será a perda da oportunidade de se ter um banco de dados, a exemplo do que ocorre na Europa, por meio do qual seria possível mapear riscos aos trabalhadores. No lugar da NR-2, haverá um tópico genérico na NR-1, mas sem especificar a questão da inspeção e certificação prévia.
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Auditores fiscais apontam o risco de existir um vácuo de regulamentação, com a CLT prevendo a obrigação sem uma norma correspondente. O Ministério da Economia sustenta que a NR-2 caiu em desuso e que o objetivo das mudanças é desburocratizar e harmonizar as normas de regulamentação sobre segurança do trabalho, com aprovações feitas em consenso na comissão tripartite.
No caso da NR-12, a mais emblemática das normas, em razão da histórica pressão do setor de indústria para que seja flexibilizada, outra mudança foi aprovada, além da possibilidade de que se busquem soluções alternativas para adaptação do maquinário. Um novo capítulo considerará suficiente a adaptação de equipamentos brasileiros a normas europeias. Também haverá mudanças no campo da robótica.
Na última terça-feira, 63 chefes de fiscalização do trabalho em todas as unidades da federação protocolaram no Ministério da Economia um manifesto em defesa das normas regulamentadoras. Esses chefes são funcionários do próprio governo, que atuam nos Núcleos de Saúde e Segurança do Trabalho, nas Seções de Inspeção do Trabalho e no Sistema Federal de Inspeção do Trabalho.
Segundo eles, as NRs já passaram por constantes alterações, que buscaram o aperfeiçoamento das normas, diante da elevada frequência e gravidade dos acidentes de trabalho. O manifesto cita um estudo desenvolvido em 2018 pelo Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho, da própria Secretaria de Inspeção do Trabalho. Conforme o estudo, houve diminuição nos acidentes de trabalho entre as décadas de 1970 e 2010, "sob vigência das normas regulamentadoras, reforçando seu caráter preventivo e protetivo". Segundo o estudo, foram evitados 8 milhões de acidentes e 46 mil mortes no período.
Para os chefes de fiscalização, "não é possível efetuar a revisão das NRs em três meses, sem prejuízo ao tripartismo e sem comprometer a qualidade dos resultados". Os auditores fiscais pedem para serem ouvidos nas discussões e para terem acesso às minutas dos textos em discussão na comissão tripartite.
Em resposta aos questionamentos do GLOBO, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia disse que a decisão de revogar a NR-2 levou em conta a necessidade de simplificação e redução da burocracia, de proteção à saúde e à segurança dos trabalhadores e de geração de empregos. "Todo o processo de revisão de NRs está dentro deste ambiente, sempre em discussão com todas as partes, sem deixar de garantir a necessária segurança e saúde do trabalhador, com o intuito de se alcançar um sistema normativo protetivo integro, harmônico e moderno", afirmou a secretaria, por meio da assessoria de imprensa.
A secretaria elabora ferramentas para "autodiagnóstico", de forma a facilitar acesso a informações de segurança e saúde no trabalho, segundo a secretaria. O modelo é semelhante ao existente na União Europeia, ainda conforme a secretaria. "A discussão respeita todos os trâmites necessários, sendo feita de acordo com a legislação brasileira. E todos os setores possuem voz na comissão tripartite."