No contexto de pandemia de COVID-19, mas também considerando outras doenças infecciosas, a implementação de medidas de prevenção e controle de contaminação ocupacional é de extrema relevância nos serviços de saúde, especialmente pela necessidade de proteção individual dos profissionais que possam ser infectados.
Lidar com uma pandemia de grande proporção requer, também, uma robusta estrutura hospitalar que possibilite tomada de decisões rápidas e adequadas para o controle e propagação do vírus, além de uma rede integrada aos sistemas de Saúde Pública a qual permita melhor enfrentamento pelos profissionais envolvidos frente a nova realidade sanitária.
Na China, relata-se que a contaminação dos trabalhadores foi favorecida pela proteção inadequada no início da epidemia, justificada pelo desconhecimento quanto ao patógeno. Posteriormente, a exposição frequente e prolongada a pacientes potencialmente contaminados, a intensificação da jornada e a maior complexidade das tarefas de trabalho, com redução das pausas e descanso, aumentaram indiretamente a probabilidade de infecção dos profissionais de saúde por comprometer os cuidados com a própria proteção. Por fim, a escassez de equipamentos de proteção individual (EPI) também foi referida como uma realidade no cenário chinês de aumento direto do risco de contaminação pelo novo coronavírus.
Na cadeia de ações para proteger os trabalhadores, a barreira ao contato de risco prolongado com pacientes infectados é um método fundamental de segurança no trabalho. Porém, no caso da COVID-19, a eficácia do EPI está relacionada ao fornecimento de equipamentos com a proteção suficiente para o SARS-CoV-2 e o treinamento adequado das equipes de trabalhadores para o uso correto e consistente.
Sabe-se que para durante o combate à doença, há necessidade de uma capacidade logística e adequada de entrega dos EPI’s nos serviços de saúde. Para alcançar uma resposta adequada, profissionais da área de saúde precisam ser previamente preparados, equipados e informados quanto às medidas de controle da propagação da infeção que causa a COVID-19.
Para reduzir a transmissão do patógeno nos serviços de saúde, devem ser previstas práticas de prevenção mesmo antes da chegada do paciente na unidade, como reagendando dos atendimentos eletivos ou realizando entrevista e orientações prévias sobre os seus sintomas. Caso não seja possível um contato anterior, havendo a busca pela assistência, ou seja, sem redução do fluxo, deve-se prezar por ações pré-triagem.
A restrição de portas de entrada, limitando o tipo de atendimento na unidade, o fornecimento de máscara com rápido isolamento de casos suspeitos, reduzindo o contato com os demais pacientes e profissionais, disponibilização de instruções sobre higiene e etiqueta respiratória em locais visíveis, e monitorando sinais/sintomas novos entre os pacientes. Ou seja, é necessário garantir a correta triagem dos casos da COVID-19 para reconhecimento precoce e controle da fonte, de forma a isolar os pacientes sob suspeita de infecção e aplicar precauções recomendadas. Medidas alternativas são recomendados para evitar a transmissão comunitária, como visitas domiciliares para orientação, busca ativa e acompanhamento de casos leves, instalação de serviços de saúde exclusivos em unidades auxiliares, cancelamento de atendimentos eletivos ou não urgentes de grupos20. Ao se reduzir a transmissão comunitária, pode levar a uma redução de contaminados buscando pelo serviço de saúde, consequentemente diminuindo a probabilidade de exposição dos trabalhadores alocados nestas unidades.
Usualmente, durante a assistência deve ser garantida a aplicação de precauções padrão para todos os pacientes. Medidas de precaução por contato, gotículas e aerossóis devem ser adotadas no atendimento dos casos suspeitos, além de outros controles administrativos, ambientais e de engenharia20,22,23. Tais medidas também devem ser observadas mesmo após a saída do paciente da unidade de saúde.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em sua nota técnica nº 04/2020, atualizada em 21 de março de 2020, fornece orientações para serviços de saúde quanto a medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus. Tais orientações são atualizadas à medida que mais informações são descobertas acerca do novo coronavírus. Esta norma recomenda que as políticas e práticas organizacionais minimizem a exposição dos profissionais de saúde ao SARS-CoV-2 no atendimento pré-hospitalar e dentro dos serviços de saúde. Preconiza a higiene das mãos com água e sabonete líquido ou preparação alcoólica a 70%, assim como uso de óculos de proteção ou protetor facial, máscara cirúrgica, avental impermeável e luvas de procedimento. O uso de gorro e máscara N95 ou FFP2 é indicado durante a realização de procedimentos geradores de aerossóis, como intubação ou aspiração traqueal, ventilação mecânica invasiva e não invasiva, ressuscitação cardiopulmonar, ventilação manual antes da intubação e coletas de amostras nasotraqueais. Quanto às equipes de apoio hospitalar que não estejam diretamente envolvidas na assistência aos pacientes, recomenda-se a higienização das mãos, óculos de proteção ou protetor facial, a utilização de máscara cirúrgica, avental impermeável e luvas de procedimento.
Com a progressão da pandemia, o acesso aos EPI para profissionais de saúde tem se tornado uma preocupação, pela possibilidade de escassez nos locais com alta demanda de atendimento. Em um cenário como este, o fornecimento para as equipes de saúde deve ser priorizado e impõe o uso racional dos insumos para evitar a impossibilidade técnica de prestar cuidados aos pacientes em viremia, pelo risco iminente de danos à saúde do trabalhador por contaminação decorrente da exposição desprotegida.
A legislação trabalhista brasileira, via Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde (NR32), indica a obrigatoriedade de o empregador prover ao trabalhador EPI em quantidade suficiente, descartáveis ou não, que sejam necessários para o desenvolvimento seguro das tarefas de trabalho. Além do fornecimento, deve-se assegurar a capacitação de forma contínua e a garantia de proteção ao trabalhador sempre que houver mudança das condições de exposição a agentes biológicos.
Cabe ressaltar que a OMS recomenda o afastamento da realização das atividades que envolvam risco de contato com o novo coronavírus, justificando o remanejamento para ambientes livres de risco aqueles profissionais de saúde pertencentes aos grupos de risco, como ter idade superior a 60 anos, diagnóstico de imunossupressão ou doenças crônicas que levem à predisposição para pior resposta à COVID-19, e também as gestantes, uma vez que são reportadas doenças graves decorrentes do contato com outros vírus pertencentes à mesma família do novo coronavírus, além de ainda serem escassas as informações do impacto deste agravo na condição obstétrica.
Monitoramento do profissional de saúde exposto à COVID-19
Há necessidade de os serviços de saúde disporem de mecanismos e rotinas que alertem prontamente suas equipes sobre os casos suspeitos ou confirmados de infecções pelo novo coronavírus para que se minimizem contato de risco para a doença, provocando consequências indesejadas. Tais ações devem ser promovidas em atividade conjunta entre o núcleo de controle de infecções relacionadas à assistência à saúde, os responsáveis pela área de saúde e segurança no trabalho, os gestores do serviço de saúde e equipes de profissionais que atuam no contato direto aos pacientes.
A quantidade de profissionais de saúde adoecidos tem se avolumado durante a pandemia27. Portanto, o automonitoramento deve ser uma orientação regular para todos os expostos ao risco, buscando observar a ocorrência de febre ou sintomas respiratórios (tosse seca, dor de garganta e falta de ar) que podem ser um sinal de alerta quanto à COVID-19.
Os gestores dos serviços de saúde devem ter um plano de ação a ser desenvolvido após ter conhecimento do adoecimento dos seus profissionais, estabelecendo fluxo de condutas. É primordial a restrição ao trabalho para impedir uma potencial transmissão para pacientes e/ou colegas de trabalho e manter uma quarentena de 14 dias após o último dia de exposição a um paciente com diagnóstico confirmado de COVID-19.
É importante graduar a exposição, considerando um contato de baixo risco ou alto risco. O primeiro decorre de história de contato com pacientes com COVID-19 que usavam máscara facial para controle da fonte enquanto o profissional também utilizava máscara facial e proteção ocular. Já o segundo é caracterizado quando há exposição ao paciente infectado pelo novo coronavírus sem proteção por equipamento individual. Esta caracterização da exposição visa definir a prioridade na tomada de ações corretivas, pois há recomendações específicas para cada situação. Nos casos de alto risco, a OMS recomenda que os profissionais interrompam o trabalho assistencial, permaneçam em quarentena por um período de 14 dias após o último dia de exposição a um paciente confirmado com COVID-19 e sejam testados para a infecção.
A COVID-19 é de notificação compulsória imediata pelos serviços públicos e privados, e os casos suspeitos e/ou confirmado devem ser registrados no sistema oficial do Ministério da Saúde. O desenvolvimento da COVID-19 pela exposição ao vírus durante o exercício do trabalho nos serviços de saúde do setor privado justifica a notificação previdenciária e trabalhista por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT)31. Quanto aos servidores públicos, há de se observar as legislações que regem o vínculo profissional.
Considerações finais
Considerando a necessidade de se manter em atividade o máximo de profissionais em prol da redução dos impactos negativos desta situação de pandemia na sociedade, os cuidados para promoção da saúde e prevenção de doenças entre os trabalhadores do setor saúde devem ser priorizados. A garantia de acesso a equipamentos de proteção individual em número suficiente e com eficácia reconhecida são elementos essenciais destacados pelos principais centros de estudos e regulação em saúde no Brasil e no mundo. Fazem parte das recomendações o treinamento dos trabalhadores para o uso correto das barreiras à exposição e ajustes na organização dos fluxos operacionais dos serviços.
Por fim, como a COVID-19 foi descoberta recentemente e ainda demanda estudos para esclarecer seus impactos, as recomendações e protocolos podem ser modificados ao longo do tempo e devem ser motivo de atualização técnica frequente pelos pesquisadores, gestores e profissionais de saúde.
Equipe Multidisciplinar: Cristiane Helena Gallasch, Márcia Lima da Cunha, Larissia Admá de Souza Pereira, João Silvestre Silva-Junior