Comportamento Seguro: Uma Resposta Cientificamente Confiável
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2020-07-29T20:01:27-03:00
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O comportamento humano é central num processo de prevenção de acidentes e este está, portanto, relacionado com a promoção de aprendizagens de formas mais seguras de agir por parte das pessoas, das equipes de trabalho e das organizações. A aprendizagem de novos e melhores padrões de segurança do trabalho, como complemento do aperfeiçoamento dos meios de produção, do gerenciamento efetivo da segurança, da melhoria das condições de ambientes e equipamentos, e à capacitação técnica dos trabalhadores, permite avanços importantes na promoção de condições de trabalho dignas e saudáveis para os profissionais que atuam em situações de risco. O direito do trabalhador, no caso do Brasil, de trabalhar com segurança e saúde, é assegurado pela Constituição da República e previsto na Consolidação  das Leis Trabalhistas, entretanto, o cenário dos acidentes de trabalho no país indica que as instâncias responsáveis (governo, iniciativa privada e sociedade), não têm sido capazes de fazer existir esse direito em um grau que possa ser considerado razoável ou efetivamente aceitável.

Onde os esforços e os recursos estão falhando afinal? A resposta a essa pergunta remete ao exame de diversos aspectos envolvidos nesse contexto, entre eles o da qualidade da formação profissional dos trabalhadores da indústria, especificamente no que diz respeito à segurança no trabalho.

É certo que a prevenção dos acidentes e das doenças ocupacionais é a principal via de acesso à mudança deste que se configura como um verdadeiro problema de saúde pública, tanto para o Brasil quanto para outros países do mundo: o acidente de trabalho. A transformação de uma realidade de trabalho menos segura para outra mais segura, se dá, por meio de fatores legais, organizacionais, ambientais, sociais e também pela via da capacitação para a prevenção. À luz do conhecimento produzido sobre o comportamento humano, é possível afirmar que aprender a comportar-se de forma preventiva, pode ser um dos meios possíveis e eficazes de capacitar o trabalhador para prevenir lesões e doenças relativas ao trabalho, para si e para os colegas com os quais trabalha. Para que seja possível promover o ensino de comportamentos preventivos em segurança do trabalho, é necessário compreender mais amiúde aquilo que se pretende prevenir.

Por tratar-se de um fenômeno de grande complexidade e multideterminado, o conhecimento científico produzido sobre os acidentes, abrange tantos aspectos desse fenômeno quantos são as ciências que se ocupam de estudá-lo. Esses aspectos dizem respeito a acidentabilidade, que é o estudo da relação entre características humanas e ocorrência de acidentes, o estudo da personalidade, da ergonomia, dos fatores organizacionais e de gestão, envolvendo aspectos relacionados a produtividade e lucratividade, até os fatores extra-organizacionais, como as políticas públicas de seguro acidente e de previdência social. O conhecimento científico produzido sobre esses diferentes aspectos por pesquisadores de diferentes áreas, proporcionou importantes avanços na compreensão e na intervenção em segurança do trabalho, assim como, o desenvolvimento tecnológico e dos aspectos legais do trabalho, contribuíram para a melhoria das condições e das relações trabalhistas. Adventos como o aprimoramento dos equipamentos de proteção coletivos e individuais, e a implementação de padrões internacionais de saúde e segurança no trabalho, são alguns exemplos dessa melhoria.

Conceitos e crenças antigos como o da causa única, a culpabilização, os sacrifícios exemplares, a vitimização e a punição, puderam ser finalmente desmistificados, como técnicas apropriadas à gestão das pessoas.

Grandes avanços relativos a aspectos ambientais, tecnológicos, legais e organizacionais foram alcançados, mas ainda há muito a ser feito, principalmente com relação aos aspectos humanos dos processos de segurança industrial. Autores como Dejours e Davies, afirmam que “o homem é o elemento relativamente estável do processo”, pois de nada adiantam capacetes de última geração, se o trabalhador não souber ou não quiser colocá-lo adequadamente em sua cabeça. Essa é uma das grandes interrogações do mundo da segurança: o que separa os equipamentos modernos, as orientações dadas nos treinamentos, as normas e procedimentos de trabalho, da atuação concreta dos trabalhadores? Quem pode oferecer essa resposta?

A busca por produzir respostas cientificamente confiáveis para perguntas como essas, leva a produzir conhecimento que pode colaborar para a não ocorrência dos acidentes de trabalho que é, por si só, um meio de contribuir para a valorização da vida e da saúde do ser humano em situação de trabalho. Morrer ou ferir-se no trabalho não pode ser aceito como parte ou consequência do processo de produção, pois o papel do trabalho na vida das pessoas, é, originalmente, a busca pela sobrevivência, que por sua vez, já é antagônica à morbidade, e pela realização. No que diz respeito aos fenômenos relativos às consequências do trabalho para a saúde do homem, a Psicologia ainda tem grandes contribuições a fazer.

Como campo de atuação profissional, a segurança no trabalho é constituída pela atuação de profissionais de diferentes tipos de formação (engenheiros, técnicos de segurança, médicos, enfermeiros, educadores, psicólogos, assistentes sociais, administradores, etc), que desenvolvem seus trabalhos com o objetivo de possibilitar a preservação de elevados níveis de saúde das pessoas que trabalham, em situações nas quais estão presentes agentes agressivos. Apesar de utilizarem conhecimentos e recursos específicos da sua formação, os profissionais do campo da segurança têm como uma de suas finalidades centrais, a redução das ocorrências de acidentes e doenças relacionados ao trabalho.

Os avanços científicos que possibilitaram reduzir as ocorrências de acidentes e o avanço do conhecimento científico sobre os métodos e práticas relativas aos aspectos humanos no âmbito da segurança,  podem ser considerados uma grata realidade, principalmente no que diz respeito ao papel da Psicologia. Estudiosos de diferentes áreas de conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia, a Ergonomia, a Engenharia, a Educação, e a Psicologia, propõem-se a conhecer as variáveis humanas presentes no fenômeno do acidente do trabalho. Cada um dos estudiosos dessas áreas, ocupa-se de estudar as dimensões do fenômeno que são relativas à natureza do conhecimento para a partir do qual se fundamentam.

A Psicologia da Segurança no Trabalho representa o trabalho de pesquisadores, com destaque para os norte-americanos e europeus, em organizar o conhecimento existente sobre os aspectos psicológicos da segurança no trabalho, produzir conhecimento novo sobre esse conjunto de fenômenos e torná-lo acessível tanto ao meio científico quanto aos profissionais que realizam intervenções. Como campo de atuação profissional, a Psicologia da Segurança sistematiza intervenções dos psicólogos sobre o componente de segurança da conduta humana, objetivando o desenvolvimento de condições de trabalho seguras e saudáveis para os trabalhadores. A Psicologia da Segurança, pode proporcionar conhecimentos que complementem as atuações dos demais profissionais que atuam em segurança no trabalho, como médicos, engenheiros e técnicos, o que não significa que interferir sobre os fenômenos psicológicos relativos à segurança do trabalhador, é algo que possa ser feito de forma efetiva por profissionais com qualquer tipo de formação. A probabilidade de sucesso da intervenção do psicólogo sobre os fenômenos psicológicos, tende a ser maior em comparação à atuação de profissionais com outros tipos de formação profissional, atuando sobre o conjunto de fenômenos de natureza psicológica presentes no estudo da segurança no trabalho. Isso se dá devido à diferença existente entre a Psicologia como área de conhecimento e como campo de atuação profissional.

A partir da identificação do que é importante para a melhoria da qualidade do ensino e da contribuição dos processos educativos para a prevenção de acidentes, torna-se possível a revisão de propostas antigas e produção de novas propostas de ensino que oportunizem ao trabalhador, condições de aprender aquilo que é essencial à preservação da sua integridade. O planejamento dos programas de treinamento e de comunicações em segurança, precisariam levar em conta não só o conhecimento já produzido sobre a área e as normas que o trabalhador deve cumprir, mas também os aspectos presentes na cultura e no clima de segurança da empresa, as características regionais que extrapolam os muros da fábrica e, principalmente, o conjunto de variáveis que compõem as situações com as quais ele lida no cotidiano, e que constituem, ao mesmo tempo, sua atividade e sua ameaça. Competência tem a ver com capacidade de agir no mundo e não só com a quantidade de informações que o indivíduo é capaz de armazenar. Criar condições para que os trabalhadores aprendam e assim se desenvolvam como pessoas e como profissionais, é torna-los capazes de pensar, sentir e agir em prol de uma cultura promotora de saúde e qualidade de vida, isto é, educar para a vida, e não só para o trabalho.

Trabalhar com consciência, capacidade de analisar a realidade, de tomar decisões, de se antecipar ao pior, de agir com cuidado, são os “produtos” desejados deste complexo sistema de inter-relações que constituem o desenvolvimento humano nas organizações. E o desafio está em saber que a realidade de saúde e de ausência de acidentes que se busca construir para o futuro ao atuar sobre a realidade vivenciada no século XXI, só será possível quando os trabalhadores, os profissionais, as empresas e o governo assumirem que a grande possibilidade de transformação está presente na visão do processo como um todo, e não apenas no produto.

Por: Juliana Zilli Bley