Benzeno: Riscos, Exposição e Formas de Prevenção em Trabalhadores da Indústria
Editor: Sandro Azevedo
Postagem: 2018-10-26T07:04:20-03:00
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Os trabalhadores da indústria transformadora poderão estar expostos a níveis elevados de benzeno, solvente orgânico vastamente utilizado no setor dos curtumes e do calçado, para o qual existe evidência de perigosidade para a saúde, com ênfase para a carcinogenicidade em humanos.

O benzeno é um hidrocarboneto aromático (com fórmula química C6H6) líquido, incolor, de cheiro sui generis e muito volátil (ponto de ebulição, aproximadamente, aos 80º C). A exposição humana a este solvente está associada a efeitos negativos agudos e/ou crónicos para a saúde. Esta exposição pode ocorrer a nível ocupacional, muito devido à utilização laboral de combustíveis e solventes. Com efeito, as principais fontes de produção do benzeno provêm das indústrias petroquímicas e refinarias de petróleo. O benzeno é largamente utilizado a nível industrial graças à sua aplicabilidade na produção de colas e à propriedade como solvente de tintas, vernizes, borrachas, resinas e gorduras. O baixo custo desta substância também não é desprezível nesta equação. Os trabalhadores de curtumes e sapateiros são dos grupos expostos a este solvente, uma vez que o usam como matéria-prima nos processos de produção e transformação que executam.

Relativamente à toxicocinética, verifica-se que o benzeno é absorvido mais frequentemente por via inalatória e dérmica, muito devido à sua volatilidade e às suas propriedades lipofílicas. A absorção por inalação é a via mais relevante. A via oral também se pode considerar, embora em menor escala; mas após ingestão a absorção é de 100%.

A distribuição do benzeno ocorre rapidamente (apresentando tempo de semivida curto), com ênfase para os tecidos lipídicos, onde atinge concentrações mais elevadas. São exemplos a medula óssea, o fígado, o baço e as lipoproteínas. De notar que o benzeno não se acumula no organismo.

Depois de distribuído, inicia-se o processo de biotransformação naqueles tecidos. Originam-se substâncias mais hidrossolúveis como: fenol – que representa 80% da totalidade dos metabolitos, catecol, hidroquinona e p-benzoquinona; e ainda substâncias vestigiais como o ácido trans-trans-mucónico (exemplo: ácido S-fenil mercaptúrico). A restante parte do benzeno absorvido não metabolizado (cerca de 12%), é sujeito a processo de eliminação, sem alterações, através do ar exalado. Os metabolitos anteriormente descritos são eliminados pelo rim.

Quanto à toxicodinâmica, pode afirmar-se que o benzeno produz efeitos tóxicos em órgãos alvo preferenciais. Os efeitos tóxicos agudos mais relevantes observam-se no sistema nervoso central, pulmão, olhos e pele.  A exposição ocupacional aguda ao benzeno pode ser responsável por depressão do sistema nervoso central. Os sinais e sintomas iniciais caracterizam-se habitualmente por cefaleias, tonturas e euforia, que numa fase posterior poderão dar origem a sonolência, confusão, tremores e descoordenação motora, síncopes/lipotímias e perda de consciência. Em casos mais graves, como a exposição a maiores concentrações, poder-se-á observar défice visual, disritmias cardíacas, delírio e convulsões, depressão respiratória, coma e mesmo a morte. Exposição a níveis de 20000 partes por milhão (ppm) pode ser fatal em 10 minutos. O uso de álcool aumenta o efeito tóxico. O SNC é, de todos os sistemas/órgãos afectados, o mais atingido.

Vapores em concentrações elevadas inalados são ainda responsáveis por edema pulmonar e hemorragia nas áreas respiratórias de contacto. Pode também ser observada ação irritante ocular moderada, bem como sobre a pele e mucosas após exposição ambiental. 9

A exposição prolongada a concentrações baixas de benzeno pode também originar efeitos tóxicos crónicos, nomeadamente efeitos mielotóxicos, alterações  neuropsicológicas e sintomas inespecíficos. Identificam-se como determinantes de mielotoxicidade os polimorfismos genéticos de mieloperoxidase, a NAD(P)H:quinona oxirredutase e indutores e inibidores enzimáticos; juntos são responsáveis pela redução da produção das linhas vermelha e branca sanguíneas na medula óssea. Em consequência, surgem quadros de anemia, leucopenia, trombocitopenia e até eventos mais graves, como aplasia medular e pancitopenia. A proliferação de células B e T é reduzida pelo benzeno, podendo também por isto prejudicar a capacidade de resistência a infeções.

São também de destacar os efeitos deletérios quanto ao humor, atenção, memória, raciocínio e execução, linguagem e aprendizagem, bem como capacidade motora. Estudos evidenciaram que a intoxicação crónica pode apresentar-se ainda com quadro sintomático inespecífico de febre, cansaço, anorexia e hemorragias. Mediante a exposição ao benzeno, são também observadas alterações cromossómicas numéricas e estruturais em linfócitos periféricos e células da medula óssea de trabalhadores expostos- genotoxicidade. Segundo a IARC, International Agency for Research on Cancer, o benzeno é um carcinogéneo humano (grupo 1). Constitui um agente etiológico conhecido para leucemia mielóide aguda (leucemia não linfocítica aguda), e vários estudos estabelecem também associação com leucemia linfocítica aguda e crónica, linfoma não-Hodgkin e mieloma múltiplo.

A existência de micronúcleos e anomalias da cabeça do espermatozoide têm sido observados em espécies de laboratório tratados in vivo. A avaliação de lesões cromossómicas é possível através de técnicas citogenéticas, mas raramente aplicável/utilizada.

Até à data, não existem dados que confirmem a existência de teratogenicidade por exposição a benzeno em humanos. É, no entanto, fetotóxico em animais roedores (ratos e coelhos) após a exposição materna por inalação, e cuja consequência é a redução do peso ao nascimento.

É sabido que os níveis de benzeno no ar expirado se correlacionam com a exposição. Após um turno de trabalho, poderemos observar concentrações de 0,2 a 4,1 ppm de benzeno no ar exalado. Os efeitos tóxicos a nível hematológico provocados pela exposição crónica ao benzeno podem ser detetados/ monitorizados por meio de hemogramas com intervalos regulares/frequentes. A monitorização de exposição ao benzeno pode ser também realizada através da urina. A determinação dos níveis de fenol urinário tem sido o exame padrão, apesar das limitações descritas, tal como baixa especificidade. No entanto, valores superiores a 200 mg/L são sugestivos de exposição recente (valor normal num indivíduo não exposto é, por norma, inferior a 10 mg/L). O metabolito ácido trans-trans-mucónico é um marcador mais específico de exposição quando comparado ao anterior. Os valores obtidos na análise de urina devem ser comparados com os valores encontrados em indivíduos não expostos: <0,05 a 0,1 mg/L. Nenhum valor de referência foi especificado para o ar ambiente, pois não foi definido um nível seguro de exposição.

A utilização do benzeno em inúmeras indústrias, torna a identificação da exposição numa tarefa difícil. As atuais recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) são: utilizar consistentemente equipamentos de proteção individual adequados (como respirador contra vapor, óculos e luvas protetores contra químicos e roupas limpas que cubram todo o corpo, evitando as de tecido sintético), eliminar o uso do benzeno sempre que possível (promovendo o uso de solventes alternativos em processos industriais), otimizar os sistemas de ventilação, desenvolver e implementar políticas e legislação adaptadas, aumentar a consciência pública sobre as fontes de exposição ao benzeno e as medidas de mitigação de risco e realizar atividades educacionais para desencorajar o uso desta substância.

Segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) a cada dia que passa 5000 trabalhadores morrem devido a doenças relacionadas com o trabalho.11 Este número, torna atualmente a Saúde e Segurança do Trabalho mais vocacionada para a Saúde Ocupacional e não para o conceito de doença, dando ênfase a parâmetros como condições laborais, tipos de atividade e exposições profissionais, numa atitude preventiva. Alguns setores laborais, nomeadamente o secundário, onde prevalece a indústria química e de transformação, requerem maior atenção no que toca à identificação, tão precoce quanto possível, de riscos e efeitos decorrentes das variadas exposições a que os indivíduos estão sujeitos.

Neste âmbito, na área dos curtumes e do calçado, a avaliação dos efeitos na saúde de trabalhadores expostos a solventes orgânicos é tarefa importante. A relação causa-efeito entre exposição àquelas substâncias e efeitos clínicos nefastos tem sido escrutinada pela Toxicologia Ocupacional.

Inúmeros estudos nesta área de investigação analisaram as múltiplas exposições a que os trabalhadores de curtumes e calçado estão sujeitos. São várias as substâncias presentes, destacando-se pela sua maior toxicidade e impacto negativo os solventes orgânicos, como o benzeno. A este solvente foram associados efeitos deletérios a nível do sistema nervoso central (efeito narcótico em fase aguda e alterações neuropsicológicas em exposições crónicas) e em diversos órgãos, podendo causar, entre outros, anemia aplástica e a leucemia bem como toxicidade hepática, renal e do sistema hematopoiético.

A monitorização biológica, medida de avaliação desta substância química ou seus produtos de biotransformação sobretudo no ar exalado, sangue ou urina, ajuda a estimar a exposição e o nível de risco para a saúde, quando comparados a um valor de referência apropriado. No entanto, a exposição a substâncias carcinogénicas, como o benzeno, ou a misturas complexas (vastamente utilizadas nesta indústria) envolve aspectos que não permitem a identificação de um limiar abaixo do qual não se observam efeitos adversos; não sendo seguro, adotar um valor limite de exposição.

A prevenção, passa pela adoção de medidas comprovadamente eficazes na proteção do trabalhador contra a toxicidade dos produtos com que lida. No panorama atual, é disto exemplo a utilização de equipamentos de proteção individual (respiradores, óculos e luvas protetores e roupas não sintéticas), a otimização das condições e local de trabalho (nomeadamente através de sistemas de ventilação eficientes) e a manutenção criteriosa de um programa de exames médicos periódicos. Para além disto, a evidência científica atual reporta a necessidade da capacitação dos profissionais de saúde para identificar e vigiar os casos de exposição ocupacional e intoxicação aguda/crónica.

Em Portugal, situações de intoxicação pela substância abordada neste trabalho integram a Lista de Doenças Profissionais – Código 12.01 (anemia progressiva do tipo hipoplástico ou aplástico, leucopenia com neutropenia, diáteses hemorrágicas, estados leucemóides, leucemias, leucoses aleucémicas, perturbações gastrintestinais e acidentes neurológicos agudos nos casos não considerados acidentes de trabalho, após exposição aos fatores de risco: benzeno, tolueno, xileno e outros homólogos do benzeno).  Contudo, a aplicação da legislação atual fica aquém do esperado no que concerne à proteção dos trabalhadores.